terça-feira, 9 de setembro de 2014

Memórias chocantes do Pantera - Texto Integral



Livro de Rex Brown revela a impres­sionante trajetória de uma das bandas mais influentes e populares da história do heavy metal

“Chegamos. [...] nós vamos te destruir e, se você não tá a fim, cai fora”. Direto, como um soco no estômago bem ao estilo texano. É assim que Rex Brown – ex-baixista do Pantera – define a postura por traz do som e das letras de “Cowboys From Hell”, disco lançado em 1990, pela Atco Recordes, para muitos o responsável pela projeção inicial da banda.

A verdade é que, com essa frase, expressa nas páginas do livro: “Verdade Oficial Nos Bastidores do Pantera” – escrito em parceria com Mark Eglinton –, Rex faz muito mais do que isso, oferece ao leitor uma amostra turbulenta do DNA de uma das bandas mais emblemáticas do metal. Sem concessões e meias palavras, o que se tem nas 243 páginas da publicação é um relato extremamente lúcido sobre como criar (e destruir) um gigante da música, forjado a palhetadas frenéticas, drogas e sucessivas reinvenções do aço.

Nos primeiros capítulos, focados na infância e formação musical de Rex Robert Brown, nascido em Grahan, Texas, em 1964 de relevante apenas a perda do pai Bill – vitima de um câncer na cavidade nasal, uma doença degenerativa da mãe, agravada pela perda do marido e o papel que a musica assumiu diante de tais circunstâncias, oferecendo a força-motriz para o enfrentamento dessa realidade e para moldar a própria personalidade. Surpreende saber que o primeiro contato dele com a música se deu através de um coral de igreja e que o disco responsável por “explodir” sua mente e expandir seus horizontes musicais foi “With A Song In My Heart”, de Stevie Wonder, só depois vieram The Beatles, ZZ Top, Led Zeppelin...

Na nona série, já em Arlington, dividiu a classe de álgebra com aquele que se tornaria seu eterno antagonista. Vincent Paul Abbott era a pólvora que constantemente desafiava as chamas de Rex mas, ao mesmo tempo, foi quem abriu as portas do estúdio de Jerry Abbott (pai dos irmãos Abbott e primeiro agente do Pantera) para as ambições do jovem instrumentista, que na época tocava guitarra numa banda chamada Neck And The Brewheads. Embora houvesse esses “projetos paralelos” era questão de tempo para que Rex fosse apresentado a Darrell Lance “Dimebag” Abbott e o embrião do Pantera (na formação que ganhou o mundo) estivesse formado.




Rex assumiu o baixo em 1982 para substituir Tommy Bradford, em uma configuração que contava também com Terry Glaze nos vocais, levando um som bem próximo do Glam Metal da época. Três discos independentes – com Jerry Abbott como produtor – foram lançados seguindo essa linha: Metal Magic (1983), Projects In The Jungle (1984) e I Am The Night (1985). Entre a agenda de shows e pequenas turnês o baixista mantinha um emprego em uma cabine Fotomat de revelação de filmes fotográficos onde aproveitava para vender pílulas de meta-anfetamina para “clientes especiais”.

A entrada de Phillip Anselmo, em 1987, traz uma nova dinâmica à banda que buscava diferenciar seu som tornando-o cada vez mais pesado. O garoto encrenqueiro de Nova Orleans merece um capítulo inteiro no livro, muito em virtude das novas referências musicais que incorporou no Pantera, desde o punk ao cenário do trash que o Matallica e outras bandas faziam na Bay Área. Com Glaze fora, Phill imprime cada vez mais rebeldia ao som, refazendo inclusive alguns vocais de canções anteriores e lançando Power Metal em 1998.

A partir desse ponto, Rex descreve uma engrenagem perfeitamente alinhada, com Dimebag tirando riffs perfeitamente alinhados com as linhas melódicas vocais de Phill, Vinnie trabalhando em uma técnica crescente aliada aos conhecimentos de engenharia de som adquiridos no estúdio de seu pai e Rex trazendo linhas de baixo que davam suporte ao “caos controlado” que os define.

O grande trunfo do Pantera, no entanto, sempre esteve no palco. E foi numa dessas apresentações – mais especificamente durante uma guerra de bolo durante a festa de aniversario em que tocavam – que Mark Ross, executivo da Atco Records, teve seu primeiro contato com a banda. Por seu intermédio assinaram contrato e passaram a ser agenciados por Walter O’Brien, com Terry Date como produtor.

“Cowboys From Hell” estreou na Billboards na 44º posição e projetou o nome da banda, como já foi dito.. Mas foi quando “Vulgar Display of Power” saiu em 1992 – o disco de maior sucesso – que teve início a espiral de turnês intermináveis, problemas jurídicos de royalties com Jerry Abbott, abuso crescente de álcool e drogas – principalmente da parte de Phill – gerando, inevitavelmente, desgaste entre os membros.

Rex aponta no livro uma sucessão de eventos traumáticos que nunca foram seriamente debatidos na banda e culminaram na cisão irreversível do Pantera. A prisão de Anselmo após agredir um segurança em um show, a dificuldade de convivência com Vinnie Paul e sua obsessão por sexo – agravada pela abertura da própria casa noturna –, a postura de Dime, que se sentiu traído diante da decisão tomada por Rex de trocar de ônibus durante a turnê do Far Beyond Driven – disco que paradoxalmente estreou no topo das paradas americanas – além de uma overdose de Phill em Dallas.

Mas o mais sintomático foi mesmo a mudança de foco com relação às atividades com o Pantera, com os membros partindo para projetos como o Down – comandado por Phill que rendeu três discos inclusive com a participação de Rex –, Superjoint Ritual, DamagePlan. Todas essas turbulências fizeram dos discos posteriores “The Great Southern Trendkill” e “Reinventing the Steel” caça-níqueis para a indústria e gritos de sobrevivência para a banda.

Todo esse panorama vicioso ofuscava grandes momentos com as repetidas turnês com o Black Sabath e as participações como headliners no OzzFest. A mídia fazia questão de expor ainda mais as fraturas e instigar declarações desrespeitosas, até conseguir de Phill algo como “Dimebag e Vinnie Paul deveriam levar uma surra...”, frase que, para muitos, ainda soa como profética.




No livro, Rex admite que o dia 8 de dezembro de 2004 ainda ronda seus pensamentos todos os dias. Quando o jovem Nathan Gale disparou contra o palco durante um show do DamagePlan, em Columbus e atingiu letalmente Dimebag Darrell, encerrou a carreira do 92º melhor guitarrista de todos os tempos e, consequentemente, quaisquer chances de reconciliação entre o Pantera. Para polícia, uma bala que poderia estar endereçada para quaisquer membros da banda, para os remanescentes do grupo, um baque com cicatrizes profundas até hoje.

Embora interrompida tragicamente a história do Pantera é digna do pantheon mais elevado dos deuses do metal. A banda vendeu cerca de 40 milhões de discos e conseguiu atravessar a era grunge praticamente sem nenhum arranhão na postura, diferente de bandas como o Metallica – que inclusive é citado no livro – que possuem álbuns bastante criticados pelas concessões a que se permitiram. “A verdade nos Bastidores do Pantera” conta a história de um sobrevivente do rock e, como existem poucos que merecem esse título, suas palavras merecem muito a leitura.

Texto originalmente publicado na Gazeta do Povo

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

... e de tal lacuna, nasceu o silêncio

Suspiram os espaços por entre os fonemas
Pois já não há pulsar no verbo
Caíram, dourados, deuses da palavra.