quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

As ruínas do leprosário



Cada ranhura cresceu na agonia. Um passado que grita entre os vãos decrépitos das janelas mortas. Nos degraus, o peso do andar do abandono, da morada compulsória, da solidão doente... A medicina cega, patogênica, produzia e propagava a segregação e a doença ao invés de curá-la.

Nas ruínas de leprosário, o tempo jogou seus esporos e fez germinar o verde. Troncos ondulantes contorcem-se entre as brechas do passado para se acomodar e filtrar as vibrações que nas paredes ecoam. Mas nem tudo pode ser purificado. Há ainda o impacto do liceu-presídio-leprosário tentando esconder seu vergonhoso legado histórico, lutando contra o turista que, ao contrário quer vê-lo, deduzi-lo, desnudá-lo do melhor ângulo possível.

Foi-se a pompa, a soberba dos primeiros anos (1898), restaram os ecos da pretensa profilaxia entre os lucros da pequena comunidade. Talvez aí esteja uma pequena redenção...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O amor dos botos

Não quis obedecer à lenda. Amava os botos todos os dias, mesmo nos que não eram tomados pela música, pelos festejos. Em seus carinhos curativos, adentrava às águas com amor de irmã, fazendo de si toda mesura e cuidado do mundo.

O fogo dos cabelos amornavam o rio-mar e, com sua presença, o Sol fazia reverência antes de ir se deitar. E quando os curumins da água vinham os pés lhe acarinhar, tinha para eles aventuras a ensinar.

Todo o zelo, todo o mimo, toda a fluidez se confundiam com a coloração rosácea do entardecer... E ela, o amor dos botos, apenas podia desejar que crescessem livres para que da mesma cor pudessem eles se tornar.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Retorno...



Como devolver um espírito arbóreo à "normalidade cinzenta"? Uma vez tendo retornado à sua condição seivática, não há como restabelecer-se por completo ao concreto do cotidiano. Os olhos que plumaram em harmonia cromática com as aves, já não se aquietam com o minguar das tonalidades urbanas.


Não que não haja beleza nas lágrimas plúmbicas do céu desta terra mas há qualquer coisa de magnética nas pluri-possibilidades matizadas - quase semânticas - que a floresta oferece. Perdulária de suas belezas, não há economia de encantos diante dos olhos acostumados ao comedimento protocolar do simulacro, do artificial em que decidimos nos enclausurar.

Há também, em terras tão superiores, os homens que estendem a mão sem ressalva. As mulheres feitas da mesma matéria deste infinito. Um acolher vivo, desinteressado, um convite à prodigalidade do afeto (e por que não da lascívia). Uma plenitude expressa no sorriso plantado nos rostos das gentes.

A mesma boca, letrada na arte de sorrir, que sabor guarda no beijo! De tucumãs são feitos os lábios das morenas. Convidativos ao encontro de culturas, de línguas que capazes de versar todos os idiomas, envolvendo, encantando, conduzindo a um limiar de tesouros indizíveis...

Volta o caminheiro... Mas volta sem o coração, pois este, entregou à floresta.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Mostra independente “Rusé” foge dos grandes espaços



Coletivo de artistas de múltiplas linguagens inaugura mostra nesta sexta (9)


Astutos e inquietos, artistas do Coletivo Arte Livre se organizam para fazer a sua arte chegar a diferentes espaços e, consequentemente, a diferentes públicos. Na próxima sexta-feira (9), inauguram a exposição “Rusé” – que ganha espaço no Café Teatro Toucher La Lune – e permanece em cartaz até o dia 20 de outubro.
Artistas independentes, dedicados às mais diferentes formas de expressão artística – desde desenhos, litogravuras e xilogravuras – são altamente imersos no ambiente virtual, organizando mostras e outras iniciativas de cunho cultural, em detrimento dos meios tradicionais de promoção da arte.
Segundo a curadora da mostra Karen Matias “Os grandes espaços não apresentam critérios muito claros para a escolha do acervo. Devido a isso, o artista muitas vezes encontra barreiras para apresentar seus trabalhos”. Na busca de soluções para essa situação, artistas que compartilham entre si momentos similares na carreira, buscam caminhos alternativos.
Igor Oliver, desenhista destaque dessa edição do evento, destaca que a interação entre os artistas deve prevalecer em relação ao isolamento e, por isso valoriza iniciativas como essas “A troca de ideias, técnicas e perspectivas, nos transforma enquanto artistas e fortalece a cena como um todo”, comenta.
O artista tem na essência de sua arte muito do conceito do evento em si, Fascinado pela figura do coelho, busca retratar através dele a ingenuidade se contrapondo à astúcia. Relação aliás que dá nome à mostra: a palavra rusé, em francês, significa “astuto”.
Outro artista que se destaca é João Zoccoli – que se utiliza da xilogravura para retratar aspectos da cultura indígena e sua situação na contemporaneidade: “Escolhi a xilogravura por ser uma linguagem mais rústica, que se adapta melhor à proposta”, comenta. Quando perguntado sobre a possibilidade de expor seu trabalho coletivamente, ele pondera: “Tem tudo a ver com a temática indígena, onde dentro de uma irmandade fazem tudo juntos e crescem juntos”.

Matéria originalmente publicada na Gazeta do Povo

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Blind Guardian toca no Master Hall



Banda encerra “jornada” com show nesta quarta-feira (7)


Nesta quarta-feira (7), os curitibanos que comparecerem ao show do Blind Guardian no Curitiba Master Hall vão poder descobrir ao vivo os acontecimentos que encerram uma jornada iniciada há 20 anos. Mas calma. Os alemães comandados por Hansi Kürsch e seu speed-power metal épico ainda tem muitos universos para visitar.
“Beyond Red Mirror” – lançado em janeiro deste ano – resgata eventos desencadeados em “Imaginations from the other side”, de 1995. Em canções como “Bright Eyes” and “And the story ends’ descobre-se finalmente se o jovem protagonista atravessa o portal do espelho vermelho para devolver o equilíbrio aos dois mundos alternativos.
Para imergir ainda mais nessa atmosfera fantástica, as composições contaram com a participação dos coros de Praga, Budapeste e Boston, harmonizando com duas orquestras que, somadas, totalizam noventa integrantes. O resultado não podia ser mais épico. Resta o desafio de como transportar toda essa sonoridade para as apresentações no palco.
A banda vem de três apresentações bastante elogiadas pelos fãs em Fortaleza, Recife e Porto Alegre, com setlists baseados principalmente nas músicas do novo disco como “Nightfall” e “Miracle Machine”. Os fãs mais fiéis e tradicionais, no entanto, não deixarão de ser agraciados com clássicos como “Valhalla”, “Bard’s Song” e “Mirror Mirror”.
Retornando a Curitiba após a apresentação de 2012, esta é a primeira turnê sul-americana após o anúncio da entrada do baixista Barend Curbois na banda. Eleito o melhor baixista de 2014 pela revista Guitar Player, o holandês traz no currículo performances ao lado de Zakk Wild (Black Label Society), Andreas Kisser (Sepultura) entre outros. Hansi, responsável pelas letras e vocais, já declarou em entrevistas anteriores que Curbois é a escolha perfeita para trazer a força necessária para as composições da banda.
Apesar dos debates acalorados dos fãs sobre como caracterizar a sonoridade do Blind Guardian, alguns elementos são marcantes em suas composições. O público pode esperar a mesma velocidade e precisão característicos de discos como “Tales From The Twilight World” intercalados com momentos idílicos como os presentes em “At The Edge Of Time”. E você, atravessaria o Red Mirror?

Matéria originalmente publicada na Gazeta do Povo

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Da pluralidade do Cosmo Humano

Plot Twist - Um conceito cinematográfico/literário que pode ser entendido como uma guinada no andamento da narrativa, alcançada através de um acontecimento marcante, podendo conduzir ao climax da história ou levar o espectador/leitor a outro nível de entendimento.

...

Embora existam aqueles que se sintam confortáveis com a ideia do determinismo, seja ancorado nos astros, em leituras proféticas ou até mesmo em fragmentos residuais de traços biológicos ancestrais, ainda há os que enxergam a vida como uma espécie de "orquestramento caótico", onde a palavra controle assume ares estritamente conceituais.

Eis aí a física quântica a demonstrar que a vida simplesmente não cabe nos moldes de compreensão que forjamos em séculos de história cientifica. Há "plot twists" subatômicos pegando carona nos giros de léptons e hádrons moleculares.

Então não existe ordem? Não, meu caro, a ordem é a mudança. A ordem é a adaptação. Pode-se argumentar que apenas pelo fato de não conhecermos as leis que regem a dinâmica das partículas moleculares não significa dizer que estas leis não estejam lá. De fato. Mas é importante notar que a própria descoberta desse novo microcosmo de dinamismos basta para afirmar que não há campo seguro para o saber humano.

Se a "narrativa" de suas moléculas é capaz de oferecer algo que extrapola a compreensão dos próprios seres por elas compostos não admira o fato de tantos indivíduos buscarem conforto na ignorância ou deixarem-se abandonar na falsa sensação de inércia. Lembre-se: as partículas formadoras de seus átomos giram; seu corpo gira em acompanhando todos os quatorze tipos de movimentos descritos pelo planeta que o abriga; este, por sua vez, respeita uma órbita regular em torno de um astro ainda maior; o Sol move-se no centro da Via Láctea; por extensão, é possível dizer que todas as galáxias estão naturalmente em movimento; e não há motivos para não supor que o próprio Universo esteja neste momento descrevendo alguma trajetória capaz de interferir na dinâmica do multiverso...

Tudo isso para louvar o indivíduo que não se deixa tolher, que opta pela inclinação natural do seu "cosmo interior", toma as rédeas da vida nas mãos e põe em curso movimento comparável aos mais dignos dos plot twists Hollywoodianos e aceita um Universo de possibilidades.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Mal sabia ele...

Falou com a propriedade típica da mais vaga certeza. Fez caber no peito toda a ignorância do mundo... E verbalizou. Não só isso, foi verborrágico. Tomou para si um discurso lacunoso e o preencheu de um entusiasmo desesperado, pensando que com isso esconderia a debilidade da argumentação.

E funcionou. Deu voz ao preconceito... E foi ouvido. Arregimentou em torno de si uma (micro)legião de perseguidores do próprio rabo e, pleno de sua babaquice, traçou planos maiores. Ergueu bandeira, discursou. Pediu votos, discursou. Utilizou das fraquezas alheias, discursou...

Pousou o crucifixo por sobre a face do Estado Laico, justamente no momento em que arriscava uma oração. "Salve o latifundiário, o militar saudosista, o imigrante desenvolvimentista - mas só o branco que os demais são escória -, a configuração de família na qual me enquadro, e tudo em que acredito, amém". O resto, que se foda... Mas de preferência bem longe que é pra não causar desordem. Que progresso!

Altivo, soberbo da alCunha de cidadão de bem, apregoava moralidades que não alcançavam o próprio dinheiro expatriado. Enquanto apontava um dedo, outros quatro estavam virados para si... Cala-se, poupa-se, nega-se...

Prolifera-se! E inflige pecha injusta aos homens de trabalho. É um e é centenas. Uma réstia de auxílios-ternos brigando pela desonra do veneno na coisa pública. Debaixo da excelentíssima inclinação ao lobby, vende os ideais a quem tiver o lance mais atrativo. É a mão invisível do mercado e do poder que alcança inclusive quem outrora foi seu adversário...

Mal sabia ele que nós sabemos de tudo...





quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Carmim

O vermelho nasceu em teus lábios
Antes mesmo de tocar as retinas do mundo
Fez-se em você e se desprendeu
Não pode haver rubro senão de sua autoria

Recusando Byron - e Bukowski - em uma só contradição e heresia

Há certa beleza na desventura. Não, você não precisa acreditar em mim. Tantos são os escritores românticos e ultrarromânticos que o podem confirmar, fazendo de mil maneiras mais belas (e sôfregas) do que a que sou capaz. Apenas me deparei olhando para essa perspectiva recentemente e precisei dizer - lançando mão dos arabescos que me cabem - que, apesar de conhecer-lhe o brilho dos olhos, vivo bem sem a sua urgência.

Não que não me sinta seduzido pelo simulacro das linhas byronianas, mas penso que não posso (e não devo) condicionar minha escrita à carga emocional que exigiriam de mim. Não estou pronto para me desfazer em nome da palavra.

Bebo de Bukowski mas não de que ele bebeu. Dilacero-me em milhões de "nevermores" mas de Poe carrego lampejos da maneira. Talvez por que me falte pelo que me consumir. E foi por isso que busquei perturbar a água.

Dei matizes ao vermelho forçando o verso, subjugando a rima aos meus propósitos canhestros. Por que foges do verso limpo? Sabendo que as que primeiro morrem são as letras nascidas fora do seu lugar, o que pensas você de si mesmo quando as apaga desse mundo depois de gestadas? Elas são maiores que ti e tu bem sabes...

Mesmo que não lhe sirva o comparativo com os mestres, se recuares sempre dos degraus já postos, não deixarás nunca o posto de aprendiz. Deixai viver tuas obras além dos motivos que as inspiraram, pois elas são você, a melhor parte de você. Se não há pelo que se consumir, com certeza há o que procurar.    

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Da soberba da palavra

Debaixo do opressor azul do céu cearense, Patativa do Assaré arava o semiárido com enxada e poesia:

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer

Na singeleza do verso se esconde a profundeza das virtudes morais do povo simples. Daquele que abre a porta da casa para acolher quem busca dois dedos de prosa. E essa vocação para o "apadrinhado informal", para o desarme - muitas vezes ingênuo - da palavra amistosa, está longe de ser prerrogativa do nortista, seja em terras de charco ou de araucária, sempre há um punhado de pinhão esperando sobre um fogão a lenha para quem tiver um causo pra contar.

Eu, que apesar de bicho urbano, orgulhosamente tenho sangue de agricultor nas veias, tirei das anedotas campeiras muito do gosto pela palavra, a musicalidade da rima, o envolvimento do imaginar coletivo que proporciona. Considerando tudo isso de muito maior relevância do que até mesmo a "estrutura canônica" dos vocábulos. Aprendi no seio simples da minha família que antes de DIZER  corretamente as palavras é preciso VIVÊ-LAS.

Há, no entanto, um certo tipo de pessoa que usa a palavra como escada para ostentar uma erudição mesquinha, em uma demonstração pedante na qual, evidenciando a não conformidade do uso formal da língua, procura desqualificar o interlocutor e acaba por esvaziar de significado uma manifestação legítima de pensamento, e entrepor aos falantes uma distância social fabricada pelo que Pierre Bourdieu chamaria de "Habitus de Classe", capaz de infundir às palavras uma espécie de soberba tão nociva quanto preconceituosa.

Claro que incentivar o aprimoramento intelectual dos indivíduos é uma atitude louvável mas é preciso ter a delicadeza de observar que cada pessoa tem o seu processo de formulação mental - que é inclusive influenciado pelo meio social, situação econômica e mais uma série de fatores - que não pode ser menosprezado pelo modo de utilização da língua enquanto pura e simples ferramenta. Há muito mais envolvido.

A palavra tem de servir de ponte, não de justificativa para o segmento. O indivíduo que apresenta a virtude da humildade - virtude aliás que independe de classe social - percebe que por trás do dizer simples há uma experiência viva de acontecimentos capaz de gerar conexões pessoais indeléveis. É muito mais prejudicial para o ser humano ignorar essas nuances do que ignorar regras de regência ou conjugação verbal.

Seja você pleno da palidez e anacronismo que o seu sangue azul lhe confere ou vibrante como só as cores da terra sabem ser, só se banha de total significação aquele que deixa a palavra fluir sem pré-julgamento. Toda a perfumaria da erudição, das jóias ou da pseudocultura se desmancha frente à soberba expressa na palavra.  

domingo, 5 de abril de 2015

Com olhos de insônia...
Sou eu quem vela o sono da noite

segunda-feira, 30 de março de 2015

Show de Digão em Curitiba mescla autorais e covers em versões “quase” desplugadas

Foto Michel Campestrini

Quando Digão – vocalista e guitarrista dos Raimundos – deu os primeiros acordes de “By The Way”, do Red Hot Chilli Peppers, no palco do Phoenix American-Mex, onde se apresentou no último sábado (28), nem o fã mais ardoroso sabia o que esperar.
Em uma apresentação de cerca de duas horas, apoiado por uma banda local, o artista mostrou que nem só de pedreira vive o rock, mesclando toda a pegada de “Smells Like Teen Spirit” (Nirvana) com o tom mais intimista de “Losing My Religion” (R.E.M.). Para aqueles que pediam por um repertório mais pesado, Digão respondia com uma sarcástica introdução de “I Want It That Way”, provocando risos da plateia.
O setlist eclético trouxe para o show um público diversificado na mesma medida. As camisetas de banda deixaram de ser maioria, dando lugar a uma pluralidade de estilos no qual todos se sentiam representados. Houve uma tentativa de mosh (um fã querendo pular do palco) mas logo percebeu que a vibe era outra. A música foi o que prevaleceu.
Fechando um ciclo de três apresentações nesse formato, Digão só vê benefícios em shows acústicos: “O principal deles é que junta muito mais mulher”, brinca. “É bom dar uma diversificada no repertório. Essas músicas eu sempre gostei, sempre toquei. Não é só porrada não”, completa.
Mas, para aqueles que não abrem mão da boa e velha distorção nas guitarras, o retorno do artista à Curitiba está previsto para o dia 12 de junho, no Curitiba Master Hall, desta vez acompanhado dos fiéis escudeiros do Raimundos. A banda promove seu disco mais recente “Cantigas de Roda” que deu origem ao DVD “Cantigas de Garagem”.

Originalmente publicado na Gazeta do Povo

sexta-feira, 27 de março de 2015

26 de Março...




Não passa nenhum dia em que não venha visitar o pensamento. Inúmeras vezes, tal qual o artista do origami, dobrei e desdobrei minha visão da realidade para, em uma nesga que fosse, fazê-la assemelhar-se à dela. Mas nunca fui - nem vou ser - tão brilhante. Faltam-me charutos, faltam os pés na terra, histórias de amor e de luta... Falta-me plenitude

Enquanto me escondo por trás do cotiano, tento lembrar do arbóreo senso de liberdade, do fluir da palavra (e das ideias), que me empenhava humildemente em acompanhar... Ah, como a vida ficou mais monocromática sem o azul dos teus olhos, Baptista... Solapado no concreto também das palavras, quase não me sobra tempo de escrever. Escrever de verdade! Por isso esse pequeno atraso

Na verdade, só passei pra dizer que sinto demais sua falta Teresa Urban, de você... E de como o mundo costumava ser... Feliz Aniversário


terça-feira, 10 de março de 2015

Panelaço das gentes mimadas

Foi-se o tempo em que os toques que antecediam um pronunciamento do presidente da nação eram um indicativo de algo que o povo, para o bem ou para o mal, deveria ouvir com (no mínimo) atenção.

Quando durante as palavras de Dilma Roussef em rede nacional, no último domingo (8), algumas pessoas expressaram seu descontentamento com um esmigalhado "panelaço", o fizeram em uma atitude análoga a da criança que, discordando do interlocutor mas sem poder construir bons argumentos em protesto, tampa os ouvidos e procura erguer a voz na tentativa de abafar aquilo que lhe incomoda.

Alguns certamente vão recorrer à acusação de que compactuo com "isso tudo que está aí" e que, tal qual um bom comunista/petralha, desqualifico uma atitude legítima dentro do processo democrático. Não se trata disso.

Não há quem hoje seja imune ao aumento abusivo de tarifas que massacra tantos campos da vida cotidiana. Somente um idealista insano não se sentiria ultrajado diante de toneladas de informação a respeito de escândalos de desvio de dinheiro publico (e tantas outras formas de corrupção) em níveis "nunca antes vistos na história desse país". Sou tão alvo das mentiras lançadas em rede nacional pela presidenta quanto qualquer outro.

Não condeno a legitimidade dos protestos, para toda e qualquer bandeira sempre há de existir aquele que a mantenha em riste. O que ocorre é que o som das panelas batendo, na verdade, preenche um vazio a respeito do funcionamento do processo democrático. O fervor com que a maioria dos que se utilizam do mantra "Fora Dilma" ou "Fora PT" parece crescer na razão inversa da capacidade de compreender o processo de impeachment, o que leva a crer que tamanha hostilidade tem raízes em forças mais bestiais: ignorância e ódio.

Como observador neutro, mantendo inclusive a posição adotada desde o segundo turno da última eleição, o que vejo é uma oposição desconfortável com o atual uniforme, que não habituou suas crianças a estar do lado desfavorecido dentro da luta de classes e que, bem por isso, deixa-se movimentar dos modos mais desajeitados possíveis.

Já a situação, perde seus contornos ideológicos devido às concessões feitas em nome da governabilidade. Sem esse magnetismo moralizante, afloram os interesses individuais que levam à supervalorização dos ganhos econômicos em detrimento da corrosão das estruturas públicas. Em um período prolongado, essa equação expõe o Estado ao maior nível de vulnerabilidade por ele já experimentado.

São tempos difíceis onde resta ao brasileiro a escolha entre os declaradamente incompetentes que atualmente incham a maquina pública enquanto obrigam o povo a engolir um Brasil fantasioso. Ou ainda os opositores - autênticos simpáticos russellianos -, que querem o poder "o brinquedo é deles", sem nem mesmo ser capazes de observar os movimentos do adversário durante a corrida  
 

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Sinta(xe)

São tantos os apostos que nem sei onde se encaixa o meu sujeito.
Misturo gim e sílaba na mesma tônica para ver se me oculto...
Mas a rima é imperativa desta alma hiperbólica
E, mesmo em silêncio, aliteram-se as reticências.

Sugiro ao verbo que se contraia,
À moça que se distraia
Enquanto eu, ultrarromântico, a superlativo
de primeiras e segundas interjeições.

Se enrubesces em diversas classes de metonímias
Desejo ainda mais a parte (e também o todo)
De tais lábios tão (pro)vocativos...