quinta-feira, 26 de junho de 2014

Adeus Benilda...

Conheci a voz antes de saber do toque. O carinho que me dedicava, mesmo através de tantas linhas do horizonte, era morno e aconchegante como o querer de vó costuma ser... Mesmo antes de ter um rosto para guardar na lembrança, trazia comigo o seu riso franco, o falar cheio de sílabas abertas e convidativas à prosa de vários instantes, que combinavam tão bem com o passe-livre que mantinha em seu coração.

O amor por essa figura - que por tantos anos só pude imaginar como era - nos apresentou ao céu do Rio de Janeiro... à sua gente de andar ritmado, ao samba que reinava em cada esquina, ao ondulado da fala e das formas do carioca, que toma para sí a sinuosidade da topografia que se escreve ao redor e, mesmo que não se dê conta, é praia, é morro, é floresta, é metrópole, tudo amalgamado em um mesmo indivíduo.

E, quando finalmente habitamos o mesmo espaço, vó e neto confirmaram os laços com os olhos e já não havia tempo que não fosse único, já não havia momento que não se fizesse lágrima de alegria...

"Olha, meu neto, quantas bundas nessa praia!", e um riso largo expandiu-se e foi morar no universo... Porque era assim, incontida e alegre, livre e ingênua, com o sol a lhe morenar ainda mais a pele, e o calor a imitar-lhe a quentura do coração.

Se transformo a dor do adeus nestas palavras, é porque sinto que choro e tristeza em nada se ajustam à imagem que para sempre guardarei de ti, minha vó negra. Eis o meu jeito de dizer que amo tudo que me ensinaste apenas existindo e que espero ansioso pelo reencontro...

Que a sua luz ilumine ainda mais o universo!

terça-feira, 17 de junho de 2014

Rotina...

Lacunoso espírito das horas espasmódicas.
Veste-se do cotidiano para drenar a vida
do verbo. E em leito seco constrói tua casa.

Estende a raiz danosa do teu conformismo
sussurrante, enquanto outros, enganados,
Pensam gritar enquanto dormem.

Toma do teu câncer em punho
Foice do intelecto!

Os dias iguais
Os versos iguais
Confrontos letais

Com o nada...  

sábado, 14 de junho de 2014

Depois da Revolta!




Entre os que estavam na plateia do Teatro da Caixa, na noite de quarta-feira (4), assistindo a mais uma leitura dramática de quadrinhos dentro do projeto Cena HQ – comandado pelo cineasta Paulo Biscaia –,  as opiniões eram diversas.  Os mais inflamados dizem que é uma obra revolucionária. Os supersticiosos podem até dizer que seu autor é uma espécie de profeta e tudo isso porque nas páginas da grafic novel “Revolta”, André Caliman idealiza uma rebelião – e manifestações – da população de Curitiba contra a corrupção, os desmandos e privilégios dos poderosos muito antes dos “20 centavos”.

Inicialmente publicada em série mensal no blog www.revoltahq.blogspot.com.br/, a HQ logo se espalhou como pólvora e o autor, como um autêntico guerrilheiro, percebeu que estava na hora de levar o motim pra rua, ou melhor, pras lojas de quadrinhos. Então, em fevereiro deste ano, com a ajuda de muitos companheiros, publicou sua obra através de um financiamento coletivo. Enfim os leitores podiam ter nas mãos exemplares impressos da revista que, segundo Caliman, “... é pra ler escondido”.







No palco, o elenco, ou melhor, a quadrilha – como prefere o diretor Adriano Esturilho – dava vida a personagens como Cheps, Rato, Animal, Detetive Amêndola e outros através das vozes e gestual intuitivo, tudo isso sem saber que estavam sob o olhar atento de algumas das pessoas que inspiraram a criação dos mesmos.

Vários pontos marcantes – e figuras igualmente caricatas – da cidade estão representados na obra: Shopping Mueller, Cemitério Municipal, Palácio do Governo (e o prefeito Fruzin), todos compondo o pano de fundo da Curitiba marginal imaginada por Caliman... Ou você pode acreditar em coincidências, se preferir.

A voz melodiosa de Michelle Pucci combinada com o humor ácido de Moah Leal e a improvisação sarcástica de Ed Canedo captam perfeitamente a atmosfera thriller da história, o que faz com que o espectador saia do teatro afim de começar sua própria revolta (em quadrinhos, claro). E aí? Já leu? Vai ficar aí parado? 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A peleja que me habita

Sou contra. Contra o apegar-se às certezas; o desejo humanamente cômodo de buscar nelas a solidez que falta no ondulado tecido da contemporaneidade. De que servem os altares inertes das premissas incontestes? O musgo que cresce por entre suas ranhuras convence-me do meu ateísmo ideológico pulsante.

Se busco a guerra da palavra, respondo à fervura constante das ideias em paradoxal inconstância. Em segundos, me destruo e redesenho, com traços mais firmes sim mas nunca, nunca completos. Frágeis, no entanto, são os indivíduos não modulares. Cujas armas são tão fluidas quanto o desejo de manterem-se de pé no combate...

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Fogo que Dança

Diz-me com que força tens sonhado...
A vida que traz nos olhos ainda acende
os teus caminhos?

... e a resposta é fogo que se desfaz na neblina dos dias correntes

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Caminheiro...

Os caminhos por onde andou, pouco importavam... Na cadência de seu caminhar morava o ritmo das coisas simples. Quando a estrada se desdobrava para oferecer-lhe companhia, fazia questão de diluir a incógnita da partida e da chegada na frugalidade de uma prosa espreguicenta. Carregava nos bolsos somente as histórias colhidas do horizonte, tinha esse velho costume de não esperar do próximo passo algo além do renovar do vigor para a andança...

"Caminho por que sou feito de movimento". Embora o povo apressadamente iludido das cidades por onde passava mal parasse seus afazeres para lhe ofertar aceno que fosse, os mais novos conheciam bem essas palavras.

Enquanto trocava os passos, dava corda no mundo debaixo dos pés...