Vivo uma urgência em fixar seus detalhes. Nunca, como agora, sua risada pareceu se dispersar no ar com tamanha brevidade. Busco entrelaçar as tuas silabas, o teu tom de voz, por entre esses dedos de beletrista, na esperança de que decidam acomodar-se côncavas na minha mão fechada e permanecer comigo para além do tempo.
Aguço o olhar para apreender o minimo gesto nas prateleiras da memória. Procuro dar significado às amenidades, aos sonhos relatados à mesa do café, às anedotas repetidas somente para mantê-las frescas, vivas, coloridas pelo tempo em que puderem ser.
Converto em abraços cada motivo minimamente plausível porque necessito carregá-los comigo quando a solidão chegar. E alcanço a conclusão (mais do que óbvia) de que não saberia enfrentar a frieza desse mundo sem teu coração pra me guiar
sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
Simulacro do Pássaro de Corda
O homem sentado no fundo do poço olhava as estrela por entre a abertura em formato de meia-lua. Outro caminhava despretensiosamente pelo mercado de histórias até ouvir o eco dos pensamentos do primeiro. Mesmo habitando mundos diferentes, algo parecia ligá-los profundamente, era impossível não atender ao chamado daquelas linhas difusas.
Enquanto os acontecimentos se seguiam e se avolumavam, a corda para o poço parecia alongar-se por vontade própria, dobrando-se sobre si mesma e produzindo embaraços grossos como raízes velhas e sonolentas, debruçadas sobre anos de história do mundo.
Hora a voz do Pássaro de Corda soava como a de um tenente desiludido com suas memórias e torturado pela longevidade e o peso da guerra, hora fazia crer que trazia a docilidade caótica da menina que fabricava perucas. A costura entre essas realidades se dava através de frases pinçadas entre o consciente e o subconsciente, mal entrelaçadas em relações de frágil estrutura.
Sentado à beira do poço, o curioso ouvia incrédulo as previsões da mulher com rabo de gato, as queixas da esposa maculada, as palavras mudas do menino que construiu um mundo ao redor de si. Com o próprio intelecto, se via obrigado a construir as pontes inacabadas cada vez que o interlocutor teimava em cruzar paredes e voltar fragmentado.
Embora as palavras ganhassem uma inventividade cilíndrica viajando na escuridão do poço, a coesão não resistia ao perfume de pólen do quarto 208 e se diluia nos mistérios do copo de whisky da mulher incógnita.
Parecia haver no homem reminiscente - ou na mente por traz dele - uma necessidade de transbordar suas próprias impressões do mundo, de modo que, entre os delírios, se permitia bifurcar a narrativa e distribuir as palavras em labirintos não comunicantes, o que produziu, obviamente, um desgaste da relação entre narrador e ouvinte.
De modo geral, o homem que ouvia admirou-se com a capacidade do outro de enredar a atenção através das palavras, mas observou que um discurso lacunoso pode facilmente ser compreendido como algo mais elevado do que realmente é devido à natureza da mente de preencher os espaços vagos (deixados propositalmente ou não).
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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
Como estar em casa
Os pés recordam do caminho como se dele nunca tivessem se distanciado. Como é bom se deixar preencher daquele ar familiar. Cada desnível, cada gramínea, cada pequeno trecho de passeio, cada resquício do tempo parece impregnado de uma vida em suspenso, a esperar pelo encaixe de uma peça que lhe falta para que seja possível dar corda no andamento do mundo e restabelecer o cotidiano.
O gosto dos doces se mistura ao sabor das reminiscências pueris da terceira infância, enquanto o caminhante resgata em si mesmo a melhor parte do que jamais pode voltar a ser. Permite, sente, dá espaço à experiência de se reconhecer parte daquele universo roubado prematuramente...
E quando reconhece, ladeando a praça, a árvore de romã carregada de seus encantos sazonais, - os mesmos que pincelaram para sempre de um aroma escarlate as lembranças de seus mais vivos verões, - tem a certeza indelével de que é feito de única matéria chamada saudade
O gosto dos doces se mistura ao sabor das reminiscências pueris da terceira infância, enquanto o caminhante resgata em si mesmo a melhor parte do que jamais pode voltar a ser. Permite, sente, dá espaço à experiência de se reconhecer parte daquele universo roubado prematuramente...
E quando reconhece, ladeando a praça, a árvore de romã carregada de seus encantos sazonais, - os mesmos que pincelaram para sempre de um aroma escarlate as lembranças de seus mais vivos verões, - tem a certeza indelével de que é feito de única matéria chamada saudade
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