segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

14 coisas (inúteis e outras nem tanto) que 2014 me ensinou

1) Que listas - mesmo as mais escrotas - fazem sucesso na internet

2) Que a "Copa das Copas" se constrói com meia dúzia "I Love Brazil". Enquanto o povo esquece os olhos (e o fuleco) ardendo devido ao gás lacrimogêneo; a constituição rasgada pela Lei Geral da Copa; a copa mais cara do mundo, o legado inútil de estádios destinados a virar presídio... e os gols da Alemanha, claro.

3) Que a distinção entre manifestante e terrorista fica meio "nebulosa" quando os os bastidores (e todos os seus interesses) se movimentam nesse sentido...

4) Que contar "plaquê de 100" vale mais que ter diploma

5) Que "cidadão de bem" é aquele que acorrenta indivíduos nus a postes para melhor aplicar uma justiça que rima perfeitamente com vingança e tortura

6) Que o mundo se divide entre coxinhas e ptralhas

7) Que a Miley Cirus tornou-se incapaz de manter a língua dentro da boca

8) Que o Nestor Cerveró não está derretendo (e nem fazendo cosplay de quadro do Salvador Dalí)

9) Que quem trocou o FGTS por ações da Petrobrás conhece como ninguém o significado da palavra "arrependimento"

10) Que falta d'água só é importante quando é em São Paulo

11) Que o Vladmir Putin governa como se jogasse War

12) Que o Chaves preferiu morrer do que perder a vida

13) Que #somostodosmacacos - como se Darwin já não tivesse cantado essa bola...

14) Que o papa Chiquin é o mais pop ever


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sintonia

Com as vidas costuradas uma n'outra
Caminham com a certeza das minúcias 
um do outro escritas nas próprias pegadas.

Não há pressa em domar o caminho que se apresenta. 
Os passos já compreenderam as pausas de que é feito 
o tempo, e que a juventude teima em atropelar.

O vigor vive n'alma
Tão fresca, tão furta-cor
Que em nada espelha
os sulcos da pele.

Ele, se foi altivo, agora é solene.
Ela, se foi vaidade, agora é acalanto.
Ambos feitos obséquio pelo vacilar dos passos.

A Formiga Que Lia Leminski

Tateava a mesa até que tocou palavra
Da capa laranja bebeu
Haikai concreto

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Raimundos e as cantigas de um recomeço

Banda volta a Curitiba com disco que resgata as origens. Confira a entrevista com Digão

27/11/2014 - Enrico Boschi





Principais nomes da cena rock dos anos noventa, os Raimundos, legítimos calangos do cerrado, mantém a “vontade de ver o oco” mais viva do que nunca. De volta a Curitiba para o Rock Verão Fest, que acontece nesta sexta (28), no palco do Trézor Eventos, a banda traz na bagagem disco novo e muita distorção (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo). O Caderno G conversou com Digão – guitarrista original que assumiu os vocais com a saída de Rodolfo em 2001 – para saber o que esperar do evento, que tem também Matanza, Motorocker e Madrenegra no line up, do novo disco e muito mais. Confira a entrevista:
O Raimundos tem uma longa história com Curitiba, com alguns shows memoráveis. Essa cidade tem uma “vibe” diferente pra vocês?
Com certeza. Curitiba sempre foi uma cidade muito roqueira, muito “sangue no olho”, sacou? Não é a toa que nós escolhemos gravar nosso primeiro disco ao vivo aí [MTV Ao Vivo Raimundos]. E foi certeiro, os shows são sempre inacreditáveis.

Essa apresentação marca o lançamento do “Cantigas de Roda”, disco novo da banda. O que o público pode esperar do show? Tanto a galera old school quanto os fãs mais novos vão se sentir recompensados?
Esse show vai mostrar o que é o Raimundos hoje. A gente tem o nosso público que conhece as músicas de cabo a rabo, que realmente acompanha a banda e vai além da modinha. Claro que a gente nunca vai deixar de tocar os clássicos como “Eu Quero É Ver O Oco”, ou “Esporrei Na Manivela”, mas esse é um público bastante antenado, que conhece a história da banda e por isso acho que vai dar pra tocar bastante novidade. Vai ser um show bem visceral, com bastante música porrada. Sem os fãs não existe a catarse, a música não tem sentido.

Foi essa proximidade com o público que levou vocês a produzirem e lançarem o disco via financiamento coletivo?
É uma questão de fidelidade. Eu acho importante ter um público fiel, que vai aos shows, que acompanha a banda, que divulgam o trabalho nas redes sociais e abrem a cabeça de muita gente, por isso é tão importante essa participação. A gente escuta bastante eles porque [eles] querem o melhor.
O “Cantigas de Roda” resgata vários elementos da carreira de vocês desde as origens do “forrócore”. Dá pra sentir isso no palco?
Sim. Cara, nesse disco a gente realmente buscou muito as nossas raízes. Nós começamos a ensaiar no mesmo local onde o Raimundos nasceu [Brasilia], revivendo coisas do começo da banda. E isso trouxe o Raimundos de volta à sua essência, como ele tem que ser.

Então agora você pode dizer que o Raimundos tá “calibrado”?
Exatamente. Quando o Canisso voltou à banda em 2007, o pessoal já falava em fazer um disco novo. Eu achei importante ter estrada, se conhecer, ter história. Até para os integrantes novos – Caio na Bateria e Marquinho na guitarra solo – sentirem o que a banda significa e maturar a nossa relação. A carne maturada é mais gostosa (risos). Essas histórias ajudaram muito no processo de composição, com algumas letras autobiográficas que funcionaram muito bem com os fãs. Agora nós estamos trabalhando sem a pressão das gravadoras de ter um disco por ano, fazendo as coisas com calma e ajudando a colocar o rock no seu patamar de destaque.

Essa volta do Raimundos preenche um vácuo de bandas de qualidade atualmente no rock nacional?
Sabe o que eu posso te dizer cara? Eu só considero rock bandas que colocam a distorção no talo. O resto é “pop com guitarra”. Rock mesmo é visceral. Então o que eu posso dizer é que o Brasil tá há muito tempo sem bandas de rock de verdade. A gente tá fazendo o que gosta sem pretensão de preencher lacuna nenhuma e se de fato acontece é consequência.
Voltando ao disco novo, ele traz a participação do Cypresshill na faixa “Dubmundos”. Como foi esse encontro musical?
A gente sempre gostou dessas parcerias. O Sen Dog passou para visitar o processo de gravação – feito em Los Angeles, com Billy do Biohazard como produtor – e a gente curtiu a onda dele fazer uma participação. Também tiveram outras participações que gravamos aqui como a do Cipriano (que além de músico é jogador de basquete na NBB), do Frango [do Galinha Preta], tudo isso traz uma outra atmosfera para o disco. É legal lembrar que nossos álbuns sempre contaram com convidados especiais como o Zenilton, o Nando Reis, o João Gordo, a Érika Martins... A gente gosta de ter os amigos por perto.
Outra novidade é que recentemente vocês disponibilizaram um material novo do dvd “Cantigas de Garagem” para livre visualização no Youtube. Como você vê essa nova relação do público com a música e essas plataformas?
Do ponto de vista financeiro é meio complicado. Mas o artista tem que desapegar e buscar novos caminhos. A música orgânica sempre vai ter seu espaço nos shows na estrada. Não vejo com maus olhos, não. Eu procuro entender que as coisas mudaram mesmo e acompanhar sem ficar pensando no passado. A gente trabalha forte com as mídias sociais em formatos como o “Raimundos TV” e outros modos de interatividade com os fãs. Mas o que importa sempre é a proximidade e a música.

Matéria originalmente publicada na Gazeta do Povo

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Urbe

Há esse cansaço no ar. Uma espécie de traquitana de aço fundido presa à aura dos caminhantes urbanos. Rebelam-se nas pequenas coisas e se apequenam nas grandes. Já não escrevem cartas...Já não têm tempo de viver enquanto existem.

Não acorde, mesmo assim enlouqueça...  Pois a cidade chama...

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Escritores vão ao cemitério em busca de inspiração

Projeto itinerante Criaturas Crônicas aproveitou o Dia de Finados para colher histórias, que viraram textos compartilhados em leitura coletiva

Rico Boschi - 04/11/2014 

 Foto: Rafael Pto


No último domingo, Dia de Finados, cerca de 30 escritores se reuniram no Cemitério Municipal de Curitiba. Estavam munidos de bloquinhos e canetas com o objetivo de captar histórias diversas: houve quem retratasse uma família que discutia como a avó – torcedora do Coritiba – poderia, por Deus, ser enterrada ao lado de outro parente, torcedor do Atlético. Houve quem se espantasse com a inocência de uma criança que pedia aos pais: “Quando morrer, quero ganhar uma ‘casa’ tão bonita quanto essa”. A casa, no caso, era um mausoléu pelo qual passava a família.

É assim, em qualquer lugar de grande circulação – mercados, ônibus e cemitérios – e em data, local e horário determinado semanalmente, que o grupo de escritores Criaturas Crônicas de repente se mistura à multidão para simplesmente observar e também se inspirar. Aí, é só escrever. Ali mesmo, na hora.
O período de escrita é sucedido por uma leitura coletiva, realizada também em local público, onde os cronistas têm a chance de comentar a produção de seus companheiros. Trocar experiências com os curiosos acontece quase sempre.

O projeto, idealizado por Fabiano Vianna e Caroline Lemos, surgiu de uma expansão do Croquis Urbanos – grupo de artistas que se reúne para desenhar locais icônicos de Curitiba. Segundo Vianna, “o ponto mais importante é estar próximo da cidade, dos acontecimentos. O objetivo é registrar o cotidiano delirante da urbe porque esta observação, com o escritor na rua, torna propício o surgimento de personagens que podem fazer parte da identidade da cidade”, comenta.

Entre os artistas que participaram está o ilustrador Gustavo Ramos – que também integra o Croquis Urbanos. Ele acredita que o mais interessante do projeto Criaturas Crônicas é aprender a enxergar a cidade por meio do olhar alheio. “É possível identificar e partilhar histórias que talvez de outra forma não nos chamassem a atenção,” afirma.
Os próprios artistas postam seus trabalhos na página do projeto no Facebook (www.facebook.com/criaturascronicas). Um blog (www.criaturascronicas.blogspot.com.br) administrado por Fabiano Vianna também já existe. Um projeto para a compilação desses textos, juntamente com os desenhos do Croquis Urbanos, em um livro, deve sair do papel em breve.

O encontro do último domingo foi o 11.º realizado pelo grupo, e o próximo já tem data e local definidos: sábado, 8, na feira de orgânicos do Passeio Público, a partir das 9h30. O único pré-requisito para quem quiser participar é estar disposto a enxergar a cidade, principal inspiração, com olhos curiosos.

Matéria originalmente publicada na Gazeta do Povo 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A construção da significação

Um olhar por sobre as lentes de Eduardo Baggio

23/10/2014 – Rico Boschi




Foto: Reprodução Facebook

Entre o “luz, câmera, ação” existe ainda um filtro muito mais criterioso. Dos recursos à disposição de um cineasta, o mais poderoso, diz o próprio entrevistado, é o repertório, que molda o olhar e que serve de norte para o processo de significação da mensagem. Doutor em Comunicação e semiótica pela Pontifícia Univercidade de São Paulo, Eduardo Baggio vem explorando as possibilidades audiovisuais mesmo antes da estreia no cinema propriamente dito.

Quando relembra os primeiros anos de carreira – como estagiário do curso de jornalismo – na função de editor de vídeo na Rede Manchete, ressalta que, antes do declínio da emissora, a carga de trabalho e as diferentes demandas o obrigaram a um amadurecimento forçado: “[...] a TV tinha na época o Manchete Repórter e pediam para que eu fosse ao interior fazer filmagens, eles perguntavam se eu tinha conhecimento e eu falava que sabia”, relata.

Na TV, adaptou-se rapidamente à edição, habilidade que se mostraria, mais tarde, fundamental para a construção da subjetividade de suas narrativas. Se tivermos como exemplo a obra “28 anos” – vencedora do Festival do Minuto – Baggio constrói a relação de similaridade entre ele e seu pai através de um recurso essencialmente de edição. O cineasta opta com colocar lado a lado fotografias em que os dois personagens constam de idades próximas, segundo o autor, cerca de três ou quatro anos de vida. A correlação com o tema do festival – mínima semelhança – fica a cargo do espectador. A trilha, uma gravação de pai e filho cantando uma canção infantil, reforça ainda mais essa similaridade.

Afeito ao cinema conceitual – mas sem diminuir a importância do caráter informativo do cinema – Eduardo Baggio mostra um domínio agudo das funções significantes na utilização da metáfora imagética. É o que se pode perceber no curta “Sonetos”, inspirado nas obras do poeta Avelino de Araújo. Com a utilização da imagem de um garfo ou arames farpados como índice[1] representante dos versos e estrofes na estruturação do poema, o cineasta representa mutuamente a identidade, o traço reconhecível e característico das obras-objetos da significação.

Interessante notar que, apesar da profundidade das relações entre semântica e metalinguística que as imagens cumprem dentro da narrativa, o conceito da obra é dotado de um alto grau de simplicidade, como nota o próprio Baggio ao afirmar: “Quando a ideia para o ‘Sonetos’ surgiu estávamos eu e um colega de equipe no restaurante da universidade e eu fui desenhando em guardanapos, quadro a quadro, como ficaria na tela”.

A percepção peculiar que marca os trabalhos acima também é traço indelével do longa Amadores do Futebol, que, ao invés de recorrer aos clichês que circundam o esporte, trata, antes, daqueles que o constroem e glorificam: torcedores, jogadores, comunicadores, familiares, apreciadores enfim, das pessoas. Através de personagens como as esposas dos esportistas – obviamente não profissionais – que os acompanham com o objetivo de vigiar os maridos, o diretor humaniza o universo futebolístico, aproximando-o do cotidiano do espectador e provocando empatia. Ao tratar da realidade que precede os grandes clubes, os valores milionários, a fama, o filme passa a revelar um amor desinteressado, genuíno do homem com a bola, evidenciando também o aspecto agregador do esporte: “[...] o filme tem uma temática mais popular, um apelo pela questão do futebol – embora eu não quisesse fazer um filme sobre futebol. O que me interessava eram as pessoas. O advogado joga com fulano que é de outra cabeça, de outro bairro...”. Novamente chegamos à questão da significação, que está por traz da dedicação, ou ainda mais, devoção, desses personagens ao esporte.

Em Traço Concreto, documentário dirigido em parceria com Danilo Pschera,  o foco é a arquitetura modernista. Nesse contexto, a significação se faz através de movimentos de câmera e enquadramentos para revelar os planos e dimensões arquitetônicas de três construções distintas. Ao mesmo tempo em que segue uma linearidade conceitual mostrando a elaboração do projeto de uma casa, a edificação de uma segunda e a demolição de uma terceira, traça-se também, semióticamente falando, a representação temporal dos períodos do movimento arquitetônico em que a obra cinematográfica está circunscrita.

Já em “Santa Teresa”, documentário que trata do passado do Hospital Santa Teresa que já funcionou como clínica de internação compulsória para enfermos atingidos pela Hanseníase, em uma época em que, devido à fragilidade dos tratamentos, acreditava-se que os portadores da doença deveriam ser privados do convívio social. Através de depoimentos mesclados com imagens capitadas in loco – com uma equipe de apenas três pessoas, Baggio sutilmente aponta o contraste entre a beleza natural das dependências da clínica com o prejuízo psicológico enfrentado pelos internos que, em muitos casos, mesmo possuindo o direito de sair após 30, 40, ou até 70 anos confinados na instituição, já não tem – ou nem puderam construir vínculo com o “mundo exterior”. O longa, que faz parte da tese de Eduardo em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, sobre o qual o diretor comenta: “[...] é um filme muito mais tradicional, a história é mais bem pontuada nas falas. O meu interesse é mais informacional, eu diria até bastante jornalístico, que é contar a história daquelas pessoas. Embora as passagens me agradem muito, eu nem me sentia livre para elaborar uma coisa mais poética diante daquelas histórias...”.

É através dessa multiplicidade de elementos e de referências que o artista constrói a sua linguagem e transcreve a sua visão para as obras que assina, fazendo com que a sua produção carregue uma espécie de marca – mesmo que inconsciente – de estilo e identificação. A significação passa, como já foi dito no início, pelos interpretante, ente que fecha a tríade semiótica defendida por Peirce, e é com base no repertório, que o filtro derradeiro do sentido consolida (ou inviabiliza) o entendimento. Sobre esse aspecto, o cineasta ressalta que: “existem elementos como enquadramento de câmera, movimentos, referências – como a estrutura do soneto, que existe desde o período elizabethano que comunicam e se o espectador não possuir o entendimento, pode não interagir com o filme”.



[1] Leia-se sob a ótica de Peirce, para quem o índice é um signo (representante) que guarda semelhança com seu objeto (representado) tendo-se como base a experiência vivenciada, neste caso, o conhecimento sobre a extrutura do soneto, obrigatoriamente dividida em dois quartetos e dois tercetos. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

20 anos do Plano Real – Entrevista Eduardo André Cosentino



O dia 1º de julho de 2014 marcou o vigésimo aniversário do plano econômico responsável pela instituição da moeda corrente no país: o Plano Real. Unanimidade, no entanto, entre analistas econômicos e sociedade é que esse plano foi responsável por transformações muito mais profundas. O conjunto de medidas idealizadas pela equipe do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso teve como principal demanda o controle dos efeitos nocivos do “Dragão” da inflação, que minava o poder aquisitivo do brasileiro, bem como a credibilidade do país junto a investidores estrangeiros.

Com um pico de taxa de 1703% alcançado em 1993, essa distorção da economia gerava ondas de supervalorização de preços de bens de consumo da noite para o dia, acompanhadas de uma corrida do consumidor às lojas para estocar bens de primeira necessidade. A especulação financeira passou a ser mais rentável do que a troca de bens de consumo no mercado interno, prejudicando diversos setores industriais chave do país, o que dificultava ainda mais a estabilização frente à flutuação excessiva do índice inflacionário.

Para compreender de que forma o Plano Real foi capaz de conter (e controlar) a escalada da inflação no país, o Sistema Muito Nervoso (SMN) conversou com o economista Eduardo André Cosentino – também consultor empresarial, administrador e especialista em Gestão de Assuntos Públicos – procurando traçar um panorama dos erros e acertos do referido pacote econômico, bem como mapear os desafios que enfrenta na tentativa de se manter forte por mais vinte anos:

SMN – Diante do panorama desfavorável observado na economia durante o governo Itamar Franco – época de implantação do Plano Real – como se deu a transição da moeda anterior para o novo valor monetário?

Cosentino – O plano de implantação foi dividido em três partes: em um primeiro momento, houve a fase de equilíbrio das contas públicas, alcançado através da redução da máquina estatal, de medidas que diminuíssem a circulação de papel moeda (limites de crédito) e incentivo ao mercado interno. A segunda etapa foi caracterizada pela adoção de uma “moeda virtual” – a unidade real de valor (URV) – com o papel de facilitar a conversão de valor entre o cruzeiro e o real – que durante um curto período de tempo estiveram simultaneamente no mercado, com a cotação da unidade referencial respeitando a equivalência de um para um em relação ao dólar. A terceira etapa, por sua vez, consistiu na adoção de medidas de controle dos preços que, como primeira reação, se elevaram. Também houve medidas como a criação de metas anuais de controle da inflação e da taxa Selic para regular a incidência de juros nas transações comerciais e a busca por equilíbrio na relação importação/exportação, desta vez também sujeitas às variações do livre comércio de mercados.

SMN – Essas novas dinâmicas de mercado tiveram como efeito fenômenos como a privatização de alguns serviços que antes estavam sob responsabilidade do Estado. Efeito esse muito criticado à época. Como você enxerga as privatizações dentro do processo de implantação do real?

Cosentino – A privatização de alguns setores, como o de telefonia, por exemplo, contribuiu para a primeira fase da implantação, uma vez que diminuía os gastos do governo. Serviços não essenciais, que não faziam parte dos pilares da sociedade, representavam um peso no orçamento da união e, uma vez passando a funcionar com investimento privado, deixavam de pesar nas contas públicas. O governo passava então a ter mais lastro para investir no que era de primeira necessidade.

SMN - Qual foi o setor mais beneficiado pelas mudanças?

Cosentino – primeiramente, o setor rural, muito afetado anteriormente pelas oscilações dos mercados internacionais. Com as medidas de recuperação da economia interna – e o congelamento da equivalência com o dólar – os produtos passaram a ser mais competitivos e os mercados passaram a ser mais atrativos para investimentos estrangeiros.

SMN – Após vinte anos da implantação da moeda, o que temos visto é um governo trabalhando com índices inflacionários bem próximos da meta por longos períodos, ao mesmo tempo as taxas tributárias são bastante altas. Reduzir essas taxas pode ser uma solução para recuperar o controle desses índices?

Cosentino – Ótima pergunta. Primeiro é preciso entender a que se deve essa nova alta. Por uma questão ideológica, o atual governo adota uma série de posturas (programas de transferência de renda, isenção de impostos na indústria automotiva) que aumentam o poder de compra do consumidor através do endividamento, sem, no entanto, representar um ganho real de riqueza e nem exigir algum tipo de contrapartida social. O que acontece é a inundação do mercado com o papel moeda que, como já foi visto, acarreta o aumento da inflação. Antes de pensar em redução tributária, o meu conselho seria a suspensão do imposto de renda, por exemplo, durante um determinado período, o que traria mais dinheiro vivo à mão do consumidor, o que evitaria a adesão do mesmo às compras parceladas, incidência de juros e, consequentemente, a inadimplência

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Memórias chocantes do Pantera - Texto Integral



Livro de Rex Brown revela a impres­sionante trajetória de uma das bandas mais influentes e populares da história do heavy metal

“Chegamos. [...] nós vamos te destruir e, se você não tá a fim, cai fora”. Direto, como um soco no estômago bem ao estilo texano. É assim que Rex Brown – ex-baixista do Pantera – define a postura por traz do som e das letras de “Cowboys From Hell”, disco lançado em 1990, pela Atco Recordes, para muitos o responsável pela projeção inicial da banda.

A verdade é que, com essa frase, expressa nas páginas do livro: “Verdade Oficial Nos Bastidores do Pantera” – escrito em parceria com Mark Eglinton –, Rex faz muito mais do que isso, oferece ao leitor uma amostra turbulenta do DNA de uma das bandas mais emblemáticas do metal. Sem concessões e meias palavras, o que se tem nas 243 páginas da publicação é um relato extremamente lúcido sobre como criar (e destruir) um gigante da música, forjado a palhetadas frenéticas, drogas e sucessivas reinvenções do aço.

Nos primeiros capítulos, focados na infância e formação musical de Rex Robert Brown, nascido em Grahan, Texas, em 1964 de relevante apenas a perda do pai Bill – vitima de um câncer na cavidade nasal, uma doença degenerativa da mãe, agravada pela perda do marido e o papel que a musica assumiu diante de tais circunstâncias, oferecendo a força-motriz para o enfrentamento dessa realidade e para moldar a própria personalidade. Surpreende saber que o primeiro contato dele com a música se deu através de um coral de igreja e que o disco responsável por “explodir” sua mente e expandir seus horizontes musicais foi “With A Song In My Heart”, de Stevie Wonder, só depois vieram The Beatles, ZZ Top, Led Zeppelin...

Na nona série, já em Arlington, dividiu a classe de álgebra com aquele que se tornaria seu eterno antagonista. Vincent Paul Abbott era a pólvora que constantemente desafiava as chamas de Rex mas, ao mesmo tempo, foi quem abriu as portas do estúdio de Jerry Abbott (pai dos irmãos Abbott e primeiro agente do Pantera) para as ambições do jovem instrumentista, que na época tocava guitarra numa banda chamada Neck And The Brewheads. Embora houvesse esses “projetos paralelos” era questão de tempo para que Rex fosse apresentado a Darrell Lance “Dimebag” Abbott e o embrião do Pantera (na formação que ganhou o mundo) estivesse formado.




Rex assumiu o baixo em 1982 para substituir Tommy Bradford, em uma configuração que contava também com Terry Glaze nos vocais, levando um som bem próximo do Glam Metal da época. Três discos independentes – com Jerry Abbott como produtor – foram lançados seguindo essa linha: Metal Magic (1983), Projects In The Jungle (1984) e I Am The Night (1985). Entre a agenda de shows e pequenas turnês o baixista mantinha um emprego em uma cabine Fotomat de revelação de filmes fotográficos onde aproveitava para vender pílulas de meta-anfetamina para “clientes especiais”.

A entrada de Phillip Anselmo, em 1987, traz uma nova dinâmica à banda que buscava diferenciar seu som tornando-o cada vez mais pesado. O garoto encrenqueiro de Nova Orleans merece um capítulo inteiro no livro, muito em virtude das novas referências musicais que incorporou no Pantera, desde o punk ao cenário do trash que o Matallica e outras bandas faziam na Bay Área. Com Glaze fora, Phill imprime cada vez mais rebeldia ao som, refazendo inclusive alguns vocais de canções anteriores e lançando Power Metal em 1998.

A partir desse ponto, Rex descreve uma engrenagem perfeitamente alinhada, com Dimebag tirando riffs perfeitamente alinhados com as linhas melódicas vocais de Phill, Vinnie trabalhando em uma técnica crescente aliada aos conhecimentos de engenharia de som adquiridos no estúdio de seu pai e Rex trazendo linhas de baixo que davam suporte ao “caos controlado” que os define.

O grande trunfo do Pantera, no entanto, sempre esteve no palco. E foi numa dessas apresentações – mais especificamente durante uma guerra de bolo durante a festa de aniversario em que tocavam – que Mark Ross, executivo da Atco Records, teve seu primeiro contato com a banda. Por seu intermédio assinaram contrato e passaram a ser agenciados por Walter O’Brien, com Terry Date como produtor.

“Cowboys From Hell” estreou na Billboards na 44º posição e projetou o nome da banda, como já foi dito.. Mas foi quando “Vulgar Display of Power” saiu em 1992 – o disco de maior sucesso – que teve início a espiral de turnês intermináveis, problemas jurídicos de royalties com Jerry Abbott, abuso crescente de álcool e drogas – principalmente da parte de Phill – gerando, inevitavelmente, desgaste entre os membros.

Rex aponta no livro uma sucessão de eventos traumáticos que nunca foram seriamente debatidos na banda e culminaram na cisão irreversível do Pantera. A prisão de Anselmo após agredir um segurança em um show, a dificuldade de convivência com Vinnie Paul e sua obsessão por sexo – agravada pela abertura da própria casa noturna –, a postura de Dime, que se sentiu traído diante da decisão tomada por Rex de trocar de ônibus durante a turnê do Far Beyond Driven – disco que paradoxalmente estreou no topo das paradas americanas – além de uma overdose de Phill em Dallas.

Mas o mais sintomático foi mesmo a mudança de foco com relação às atividades com o Pantera, com os membros partindo para projetos como o Down – comandado por Phill que rendeu três discos inclusive com a participação de Rex –, Superjoint Ritual, DamagePlan. Todas essas turbulências fizeram dos discos posteriores “The Great Southern Trendkill” e “Reinventing the Steel” caça-níqueis para a indústria e gritos de sobrevivência para a banda.

Todo esse panorama vicioso ofuscava grandes momentos com as repetidas turnês com o Black Sabath e as participações como headliners no OzzFest. A mídia fazia questão de expor ainda mais as fraturas e instigar declarações desrespeitosas, até conseguir de Phill algo como “Dimebag e Vinnie Paul deveriam levar uma surra...”, frase que, para muitos, ainda soa como profética.




No livro, Rex admite que o dia 8 de dezembro de 2004 ainda ronda seus pensamentos todos os dias. Quando o jovem Nathan Gale disparou contra o palco durante um show do DamagePlan, em Columbus e atingiu letalmente Dimebag Darrell, encerrou a carreira do 92º melhor guitarrista de todos os tempos e, consequentemente, quaisquer chances de reconciliação entre o Pantera. Para polícia, uma bala que poderia estar endereçada para quaisquer membros da banda, para os remanescentes do grupo, um baque com cicatrizes profundas até hoje.

Embora interrompida tragicamente a história do Pantera é digna do pantheon mais elevado dos deuses do metal. A banda vendeu cerca de 40 milhões de discos e conseguiu atravessar a era grunge praticamente sem nenhum arranhão na postura, diferente de bandas como o Metallica – que inclusive é citado no livro – que possuem álbuns bastante criticados pelas concessões a que se permitiram. “A verdade nos Bastidores do Pantera” conta a história de um sobrevivente do rock e, como existem poucos que merecem esse título, suas palavras merecem muito a leitura.

Texto originalmente publicado na Gazeta do Povo

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

... e de tal lacuna, nasceu o silêncio

Suspiram os espaços por entre os fonemas
Pois já não há pulsar no verbo
Caíram, dourados, deuses da palavra.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Museu Oscar Niemeyer abriga “Frida – Suas Fotografias”



Frida é minha filha mais inteligente, é a que mais se parece comigo”. Essa elogiosa frase, atribuída a Ghillermo Kahlo, é um dos registros instalados nas paredes do Museu Oscar Niemeyer que contribuem mais fortemente para o tom intimista da exposição “Frida – Suas Fotografias”, aberta à visitação até o dia 2 de novembro.

Mais do que apenas tomar conhecimento de fatos e imagens históricas ligadas à Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, o público mais atento têm a chance única de observar as linhas condutoras do amadurecimento do olhar de uma das mais expressivas artistas plásticas de que se tem notícia, capaz de desenvolver um estilo inconfundível de expressão, que tem sua gênese calcada no ambiente familiar fecundo e propício às artes, e que se delineia nas turbulências de um grave acidente, amores intensos – e plurais – e fervorosa atuação política.

Nas 257 fotografias – selecionadas cuidadosamente de um arquivo com cerca de 6.500 – é possível notar desde o fascínio do pai pelo autorretrato (paixão herdada pela filha e expressa em várias de suas obras); o apreço por diversas figuras familiares; a inspiradora Casa Azul; além da dor da artista devido a um acidente de bonde, sua luta para seguir pintando mesmo em processo de recuperação e, mais ainda, o modo como essa experiência traumática marcou para sempre, e de forma profunda, sua produção artística.

Merece um capítulo à parte a sessão dedicada aos registros relativos ao esposo Diego Rivera, também artista, com quem vivia um relacionamento de constantes tensões e que inegavelmente contribuiu para o afloramento de toda grande parte da carga emocional peculiar em seu niilismo. O esposo muitas vezes representou vetor de força que mantinha a genialidade de Frida efervescente, cujo comportamento reprovável impulsionava a pintora a buscar novas emoções, que acabavam por povoar suas telas.

Tanto vigor – dos dois – talvez também possa se achar nas causas do envolvimento político. A exposição também demonstra uma estreita ligação deles com grandes nomes da esquerda mexicana e internacional da época. Nomes como Emiliano Zapata figuram entre os retratados. Diego foi responsável pelo registro interno das instalações de uma das fábricas Ford em seu sistema de produção clássico, como forma de evidenciar condições de trabalho com as quais não concordava.

Diante de tal pluralidade de estímulos visuais, o visitante passa a filtrar sua visão do trabalho de Frida através também dessas referências, de modo que a exposição acaba por desempenhar um papel de evidenciar os moldes – se é que é possível falar em moldes – sob os quais se estrutura a concepção criativa da pintora, ressaltando ainda mais a unicidade de suas manifestações.

Serviço
Exposição “Frida – Suas Fotografias”
Museu Oscar Niemeyer – Rua Marechal Hermes, 999 – Centro.
Terça a domingo: 10h às 17h30 (com permanência até as 18h)

Ingressos entre R$ 6 e R$ 3

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Empreendimento imobiliário oferece riscos à Bacia do Rio Tibagi

Matéria originalmente publicada no site do Partido Verde 43


No município de Irati, no Estado do Paraná, um dos últimos remanescentes florestais da região está ameaçado de ser substituído por um loteamento. O projeto, de responsabilidade da empresa Aurora Centennial S/A, prevê a demarcação de 150 lotes na primeira fase, seguidos de outros 50 em uma etapa posterior.

Com licenças de desmate já concedidas pelo IAP – de forma questionável, é preciso que se diga –, essa área (conhecida como Mata do Arroio dos Pereira, ou, mais popularmente, Mata do Gomes) possui aproximadamente 13 hectares, localizada em uma encosta e no fundo do vale está o Arroio dos Pereira, afluente do Rio das Antas, que compõe a Bacia do Rio Tibagi.

A despeito de qualquer argumento econômico de que se possa lançar mão para justificar o empreendimento, é necessário ter em mente que há benefícios incalculáveis ao se manter intacta uma área como essa. É o caso da qualidade dos recursos hídricos, conservação do solo, polinização, amenização de efeitos de intempéries, regulação climáticas, controle de enchentes, entre outros. Sabemos que as interações entre os fatores bióticos e abióticos de um determinado ecossistema formam uma complexa e dinâmica rede de funcionamento da natureza que resulta nos serviços ecossistêmicos. Basicamente, os serviços ecossistêmicos são os benefícios provenientes da natureza e usufruídos pelo ser humano e essenciais à sua sobrevivência.

Com isso em mente, um amplo grupo de cidadãos do município – organizados sob a chancela do movimento Preserva Irati – entende que este remanescente é estratégico para a vida na cidade – inclusive tendo em vista as enchentes terríveis que o município tem enfrentado – e pretende discutir melhor as possibilidades de redirecionamento do pretendido empreendimento. Cabe salientar que o atual prefeito constou de seu programa de Governo de transformar a área em questão num parque (horto) municipal, o que corrobora com a intenção deste movimento local.

Em função de este tema estar sendo ainda discutido, as licenças de desmate concedidas pelo IAP foram sustadas até a data de 28 de julho deste ano. Sem resultados concretos, agora o corte da vegetação pode acontecer à revelia das negociações em curso – inclusive dispensando a conclusão de um inquérito para apurar desmate ilegal. O caso da Mata do Arroio dos Pereiras é um de inúmeros outros casos semelhantes. Mas se a humanidade, com toda sua inteligência e raciocínio privilegiado, inventou cada vez ferramentas mais aguçadas que objetivam o bem viver, porque lidamos diariamente com casos como este? Proteção à natureza comprovada cientificamente e garantida pela legislação e o desmate ocorre travestido de desenvolvimento. Pouco importa o discurso, inclusive, discursos demagogicamente diferentes: sabemos e não é de hoje que é imperativa a proteção aos recursos naturais principalmente em ambientes urbanos.

Bianca de Genaro Blanco é bióloga e integrou a equipe de campo responsável pela vistoria ambiental no local.

Enrico Boschi é membro da juventude do Partido Verde, militante e conservacionista.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Os sabores da Catalunha no mosaico gastronômico curitibano



11/07 - Rico Boschi

Curitiba tem vocação para acolher. E no mosaico curitibano também há lugar para as cores e sabores da Catalunha. Inspirado na cultura da região situada a Nordeste da península Ibérica – uma unidade autônoma dentro do território da Espanha – o La Rauxa Cafè i Bistrot é um café que harmoniza o caráter vibrante do povo catalão, com a suavidade e refinamento característico do curitibano.

O cardápio – que resgata o idioma catalão – é concebido de modo a permitir a degustação de um extenso blend de cafés (desde o tradicional expresso, cafés gelados, com sorvetes, variedades alcoólicas e até mesmo opções mais elaboradas como o Cafè Caramel, que leva calda de caramelo e leite cremoso), além de chocolates quentes, porções – destaque para a típica Pa Amb Tomàquet (pão com tomate) –, petit salgados, crepes (salgados e doces), saladas e sanduíches. Conta ainda com almoço, com 13 opções a la carte desenvolvidas por Angela Muraro – chefe de cozinha e sócia do empreendimento juntamente com outros dois irmãos –, durante estadia na região.

A arte, tão pulsante na Catalunha – representada por nomes como os pintores surrealistas Salvador Dalí e Joan Miró – também tem seu espaço no La Rouxa que, esporadicamente recebe exposições de diversas formas de manifestação artística que vão desde a pintura à fotografia. Atualmente está em cartaz a exposição “Patagônia – Argentina”, que reúne obras do fotógrafo curitibano Fernando Nobre, recortes das paisagens nevadas do entremeio dessas regiões.

Pode-se notar, por esses e outros detalhes, o cuidado em oferecer um serviço que supera as expectativas dos clientes, contrastando, inclusive, o frio da capital paranaense com o caloroso gesto de recepcioná-los à porta. Para quem gostou da dica, volte sempre e, se quiser, apareça em dia de jogo do Barça.

Matéria originalmente publicada no Guia Gazeta do Povo

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Epístola

Olá senhora ceifeira, como está?

Desculpe a intimidade... Mas com a frequência com que tens se feito presente este ano acho que podemos dispensar algumas formalidades... Levastes dois mais então? João Ubaldo e o Rubem? Homens bons, teve tato na escolha. Desses dois, apenas o primeiro conheci pessoalmente. Foi durante aquele papo literário do Paiol, em uma gélida sexta-feira 13 curitibana, devo dizer - não que essa data tenha alguma relevância, nunca tive em mim nada de supersticioso. Lembro de na ocasião ouvir conselhos dele sobre a constância na prática da escrita e, bem por isso, para honrar este ensinamento, escrevo esta carta.

Bem sabes que recentemente visitastes alguém que me era bem cara. O que não sabes é a reflexão que teu gesto me trouxera. Pensei bastante sobre a morte, o desencarne, a passagem, a subida ao céu (ou não). E só pude concluir que não há nada de nobre na sua função, cara, desculpe-me a franqueza.

Não importa que venhas desfazendo-se em mesuras - como na morna sutileza de um presente de aniversario para quem já viu muitas primaveras - ou aos atropelos - como no estrondo desumano de uma bomba que fende a terra e mancha de sangue irmão duas bandeiras -, sempre haverá a lágrima, a dor vazia que seca a seiva do sonho, a bofetada insone que rouba a direção do próximo passo.

Tú já nascestes indigesta. Cheia dessa inevitável e irritante morbidez calada. Como a contar freneticamente os segundos para o último abraço, para o último aceno, para o último suspiro... Tens essa mania de se pôr um passo a frente, de limitar o futuro daqueles que só desejam um segundo mais. Não negue que lhe agrada recusá-lo, é inútil, pois séculos e séculos confirmam seu sorriso no rosto ao ouvir badalar os sinos das missas de sétimo dia.

De minha parte, enfrento-te não enfrentando. Gozo da vida sabendo do encontro marcado. O que faço é procurar não ter comigo bagagem desnecessária... aquele nó que só a culpa faz prender à garganta, as palavras de amor que nunca ganharam papel, música, ouvidos, os rancores cultivados em frascos de veneno... Nada disso pretendo ter comigo quando nos esbarrarmos por aí...

Sei que parece demasiado altruísta ficar sustentando essas palavras - e que certamente estás a rir de mim enquanto lê estas linhas - mas se há algo de verdadeiro no que digo, Dona Morte, é que há muito não consigo mais temê-la pra mim, o que me transtorna é o fato de estares livre para vir a quem mereça menos do que eu. Como as crianças da Palestina, como os passageiros daquele voo covardemente abatido ou como o velho que só agora descortinou os olhos para apreciar a vida.

Eu, que muitas vezes não mereci o dia seguinte, tenho dele desfrutado... Então diz-me qual é o teu critério?

Do seu amigo de sempre e alvo futuro

Ps: Espero não ter atrasado o seu itinerário     

 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Adeus Benilda...

Conheci a voz antes de saber do toque. O carinho que me dedicava, mesmo através de tantas linhas do horizonte, era morno e aconchegante como o querer de vó costuma ser... Mesmo antes de ter um rosto para guardar na lembrança, trazia comigo o seu riso franco, o falar cheio de sílabas abertas e convidativas à prosa de vários instantes, que combinavam tão bem com o passe-livre que mantinha em seu coração.

O amor por essa figura - que por tantos anos só pude imaginar como era - nos apresentou ao céu do Rio de Janeiro... à sua gente de andar ritmado, ao samba que reinava em cada esquina, ao ondulado da fala e das formas do carioca, que toma para sí a sinuosidade da topografia que se escreve ao redor e, mesmo que não se dê conta, é praia, é morro, é floresta, é metrópole, tudo amalgamado em um mesmo indivíduo.

E, quando finalmente habitamos o mesmo espaço, vó e neto confirmaram os laços com os olhos e já não havia tempo que não fosse único, já não havia momento que não se fizesse lágrima de alegria...

"Olha, meu neto, quantas bundas nessa praia!", e um riso largo expandiu-se e foi morar no universo... Porque era assim, incontida e alegre, livre e ingênua, com o sol a lhe morenar ainda mais a pele, e o calor a imitar-lhe a quentura do coração.

Se transformo a dor do adeus nestas palavras, é porque sinto que choro e tristeza em nada se ajustam à imagem que para sempre guardarei de ti, minha vó negra. Eis o meu jeito de dizer que amo tudo que me ensinaste apenas existindo e que espero ansioso pelo reencontro...

Que a sua luz ilumine ainda mais o universo!

terça-feira, 17 de junho de 2014

Rotina...

Lacunoso espírito das horas espasmódicas.
Veste-se do cotidiano para drenar a vida
do verbo. E em leito seco constrói tua casa.

Estende a raiz danosa do teu conformismo
sussurrante, enquanto outros, enganados,
Pensam gritar enquanto dormem.

Toma do teu câncer em punho
Foice do intelecto!

Os dias iguais
Os versos iguais
Confrontos letais

Com o nada...  

sábado, 14 de junho de 2014

Depois da Revolta!




Entre os que estavam na plateia do Teatro da Caixa, na noite de quarta-feira (4), assistindo a mais uma leitura dramática de quadrinhos dentro do projeto Cena HQ – comandado pelo cineasta Paulo Biscaia –,  as opiniões eram diversas.  Os mais inflamados dizem que é uma obra revolucionária. Os supersticiosos podem até dizer que seu autor é uma espécie de profeta e tudo isso porque nas páginas da grafic novel “Revolta”, André Caliman idealiza uma rebelião – e manifestações – da população de Curitiba contra a corrupção, os desmandos e privilégios dos poderosos muito antes dos “20 centavos”.

Inicialmente publicada em série mensal no blog www.revoltahq.blogspot.com.br/, a HQ logo se espalhou como pólvora e o autor, como um autêntico guerrilheiro, percebeu que estava na hora de levar o motim pra rua, ou melhor, pras lojas de quadrinhos. Então, em fevereiro deste ano, com a ajuda de muitos companheiros, publicou sua obra através de um financiamento coletivo. Enfim os leitores podiam ter nas mãos exemplares impressos da revista que, segundo Caliman, “... é pra ler escondido”.







No palco, o elenco, ou melhor, a quadrilha – como prefere o diretor Adriano Esturilho – dava vida a personagens como Cheps, Rato, Animal, Detetive Amêndola e outros através das vozes e gestual intuitivo, tudo isso sem saber que estavam sob o olhar atento de algumas das pessoas que inspiraram a criação dos mesmos.

Vários pontos marcantes – e figuras igualmente caricatas – da cidade estão representados na obra: Shopping Mueller, Cemitério Municipal, Palácio do Governo (e o prefeito Fruzin), todos compondo o pano de fundo da Curitiba marginal imaginada por Caliman... Ou você pode acreditar em coincidências, se preferir.

A voz melodiosa de Michelle Pucci combinada com o humor ácido de Moah Leal e a improvisação sarcástica de Ed Canedo captam perfeitamente a atmosfera thriller da história, o que faz com que o espectador saia do teatro afim de começar sua própria revolta (em quadrinhos, claro). E aí? Já leu? Vai ficar aí parado? 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A peleja que me habita

Sou contra. Contra o apegar-se às certezas; o desejo humanamente cômodo de buscar nelas a solidez que falta no ondulado tecido da contemporaneidade. De que servem os altares inertes das premissas incontestes? O musgo que cresce por entre suas ranhuras convence-me do meu ateísmo ideológico pulsante.

Se busco a guerra da palavra, respondo à fervura constante das ideias em paradoxal inconstância. Em segundos, me destruo e redesenho, com traços mais firmes sim mas nunca, nunca completos. Frágeis, no entanto, são os indivíduos não modulares. Cujas armas são tão fluidas quanto o desejo de manterem-se de pé no combate...

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Fogo que Dança

Diz-me com que força tens sonhado...
A vida que traz nos olhos ainda acende
os teus caminhos?

... e a resposta é fogo que se desfaz na neblina dos dias correntes

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Caminheiro...

Os caminhos por onde andou, pouco importavam... Na cadência de seu caminhar morava o ritmo das coisas simples. Quando a estrada se desdobrava para oferecer-lhe companhia, fazia questão de diluir a incógnita da partida e da chegada na frugalidade de uma prosa espreguicenta. Carregava nos bolsos somente as histórias colhidas do horizonte, tinha esse velho costume de não esperar do próximo passo algo além do renovar do vigor para a andança...

"Caminho por que sou feito de movimento". Embora o povo apressadamente iludido das cidades por onde passava mal parasse seus afazeres para lhe ofertar aceno que fosse, os mais novos conheciam bem essas palavras.

Enquanto trocava os passos, dava corda no mundo debaixo dos pés...    

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O bálsamo da lanterna acesa

Que bálsamo a crença seria... Mas há sempre a sede da certeza, o não contentar-se com a resposta cega. Que solitário costume esse de carregar a lanterna acesa em noite aberta, em busca da verdade que se esconde por entre as pedras da praça...

... que faço eu se é dessa "loucura" de que me alimento?

terça-feira, 20 de maio de 2014

Insultos poéticos amanhecidos

Que pensas tú chamar de poesia, jovem?

Palavras e sons de laboriosa conexão
ainda que de sonoridades irmãs -
Por si só não fazem verso.

Há que se ter o olhar do ourives
Há que se sublimar ao céu a palavra
E no entanto fazer-se pulsar o coração
e a libido bem rentes ao chão - e ao inferno

(Por que não?)

Não trates da aliteração como preenchedora de lacunas
Lima da estrofe toda letra que não lhe caiba na estrutura
Toda rima que a ela não se presta, pois a perfumaria da forma
não esconde sua falta de seresta...

(E de erupção)  

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Aos maus entendedores, toda palavra é besta...

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Uns segundos de ar fresco

Como se não pudesse reter o que é, deixa escapar por entre os vãos do superego umas gotas esverdeadas de aquosa sinceridade...

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Mil e uma formas de provar os sabores da arábia

Restaurante que reverencia a tradição sírio-libanesa




Baba Salim é um tesouro culinário de Curitiba, pois além do paladar refinado, necessário para apreciar as delícias da cozinha originalmente árabe, o visitante precisa ter olhos atentos para encontrar a entrada desse oásis em meio à paisagem urbana da Rua Amintas de Barros, no centro da cidade.

Espaço intimista, propicia conversas entre as mesas próximas enquanto transmite a agradável sensação de casa sempre cheia, de acolhimento. As referências ao Oriente Médio estão nas paredes, nos descansos dos pratos, na música ambiente, e se misturam com os aromas que emanam da cozinha, comandada por legítimos representantes da tradição sírio-libanesa.

No cardápio, opções como a Chawarma – massa síria recheada com carne e legumes -, o Quibe Crú, o Tabule ou ainda o Mjadra – prato a base de arroz e lentilha – trazem o sabor único (e inconfundível) de especiarias como açafrão, cardamomo, tahine entre outras que tornam cada garfada um momento marcante. Não deixe de provar também as esfirras abertas e a exótica pizza libanesa, preparada com massa própria.

Um ponto bastante positivo é que quase todos os pratos do restaurante possuem versões vegetarianas.

Além da comida, para que a viagem às terras das areias dançantes seja completa, a música típica árabe se escreve no corpo das dançarinas que com frequência se apresentam na casa, homenageando as ricas raízes culturais dos proprietários.
...
Não vá embora sem: provar o legítimo Chai, servido em porcelana e utensílios tipicamente árabes.
Ressalva: O local é ideal para pequenas reuniões mas se você é uma pessoa de muitos amigos talvez seja um pouco difícil de acomodar todo mundo.

Resenha originalmente publicada no Guia Gazeta do Povo

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Quando a natureza enfeita o prato principal

A natureza invade os espaços e faz parte da decoração dos preparos culinários nos restaurantes de Curitiba

Matéria originalmente publicada no Guia Gazeta do Povo



Embora a maioria das pessoas esteja se tornando cada vez mais “urbana”, há sempre uma busca por cores, sabores e aromas bucólicos para encantar o paladar e enriquecer as experiências visuais e gustativas. Para reforçar ainda mais essa ligação, alguns bares, restaurantes e bistrôs de Curitiba investem em ambientes que buscam recriar a atmosfera da degustação aliada ao contato com a natureza. Conheça alguns dos mais interessantes:

La Table Gastronomie
Conduzido pela Chef Daniela Prosdócimo Caldeira – que possui formação como Chef de Cuisine pelo Los Angeles Culinary Institute, em Los Angeles – o La Table Gastronomie é um espaço voltado para acolher eventos sociais e corporativos e oferece espaços especiais como um salão que recria a ambientação de um jardim, com diversas plantas, flores e pequenos arvoredos, dispostos em torno de bancos e móveis rústicos para que o cliente possa sentir-se em uma garden party. Diversos aspectos da casa refletem uma postura diferente de Caldeira com relação ao papel da culinária. Para ela, a gastronomia deve ser algo “que vá além do ato da alimentação, é também uma experiência sensorial e busca sempre o bem-estar das pessoas”. Baseada nessa filosofia, desenvolve um cardápio com opções como “Risoto de Champignon Com Tulle de Parmesão”, “Strogonoff de Mignon Com Maçã e Curry”, “Brigadeiro de Café e Cardamomo”, “Bolachinhas de Pistache” entre outras que primam pelo uso de elementos orgânicos e regionalistas, a não utilização de espécies em risco de extinção nos pratos e a mitigação do desperdício. Esse conjunto de práticas coloca o La Table Gastronomie como um dos principais representantes da Gastronomia Responsável em Curitiba.

Lagundri
Sabores e ambientes de diversos pontos do sudeste asiático convivendo em perfeita harmonia. Essa é a proposta do restaurante Lagundri, que Investe também no conceito de “atmosfera”. Estão representados em seus ambientes desde o mercado flutuante tailandês – com luminárias típicas, paredes vivas e um jardim com vegetação tropical – além do centro urbano de Bangkok, através das pinturas e demais elementos da decoração.
Também adepto da Gastronomia Responsável –até mesmo devido ao perfil da casa – o cardápio traz diversas opções de pratos baseados em ingredientes orgânicos como o “Arroz de Mekong” – arroz frito, coentro, amendoim, pimenta e palha de batata doce. Possui também pratos com o curry como ingrediente principal, além de frutos do mar e carnes típicas.

Limoeiro – Casa de Comidas
Com ambientação tão singela quanto o nome sugere, o restaurante procura resgatar a atmosfera da “casa da vovó”. A construção é rústica, mesas e paredes de madeira, o local chama a atenção pela área externa com gramíneas e arvoredos – entre eles um ipê lilás – onde o cliente tem à disposição mesas por sobre a grama e guarda-sóis para os dias de calor.
No cardápio estão especialidades das culinárias italianas, portuguesas e árabes como o “Tortellini di Zucca”, “Cordeiro a Libanesa” ou ainda a sobremesa tipicamente portuguesa “Baba de Camelo”.

Quintana Café e Restaurante
Gastronomia, literatura e a natureza compõem a atmosfera desse espaço. Inspirados na leveza da poesia, a casa oferece cerca de 35 opções de pratos da culinária brasileira elaborados com produtos orgânicos, além de sanduíches e doces que variam diariamente, servidos em uma mesa gastronômica.
Consolidando a relação com a literatura, a casa abriga uma biblioteca própria batizada, como não anuncia o nome, de Mário Quintana -- com títulos selecionados por Rogério Pereira, editor do jornal literário Rascunho. Todos os livros estão disponíveis aos clientes para empréstimo.
Se o cliente optar pela leitura no próprio local, pode desfrutar de um espaço arborizado, com mesas ao ar livre onde a natureza harmoniza com as diversas exposições fotográficas, de artes visuais, saraus e apresentações musicais que esporadicamente tomam conta do local.

Kawiarnia Krakowiak
Localizado nas adjacências de uma das áreas verdes mais charmosas da cidade – o Bosque do Papa João Paulo II – o restaurante complementa a paisagem trazendo uma autêntica casa polonesa tradicional em todos os seus detalhes. A área externa dá ao cliente visão plena da entrada do parque, enquanto mantém toda a atmosfera rústica expressa pela cobertura inspirada em um tradicional coreto.

No cardápio, uma sequência polonesa com Bortsch (sopa de beterraba), pierogi e charuto com folhas de repolho recheadas. Para o lanche, pães e torradas com geleia, patê de atum e manteiga e outros salgados. Mas o grande chamariz da casa são os doces, como a Makovièc (torta de maçã, papoula, nozes, castanha, uva passas e ganache), a Silésia (torta doce especial com massa amanteigada em camadas intercaladas com ameixa e doce de leite) e a Kremòwka, chamada também de Doce do Papa (massa fina folhada com creme de baunilha e nata). Para acompanhar, chás e cafés tudo servido em porcelanas de estilo antigo.

As (não) rimas do meu silêncio...

Escolhi o silêncio para fugir da verdade. Não quero (ou não posso) olhar para o que sei que as palavras implacavelmente esperam para me mostrar. Encontro algum tipo de abrigo no cotidiano... na insanidade das demandas que se assomam, na futilidade das questões urgentes, na agenda (des)existencial que impõe formato às letras e apequena o poeta, lhe exigindo ares de personagem corporativo.

Esqueço da poesia para não maculá-la. Esqueço das rimas para não forçá-las a serem o que não devem ser. Pois em algum lugar dos dias recentes, perdi um pedaço... Sou menos poeta e mais desencanto.

Mas e a prosa? Notou que está fazendo uso dela? Não lhe dói imprimir tais devaneios em prosa? Penso ela já estar habituada...

Eu é que a viver perece que jamais me habituo...

E não vais dizer ao papel onde lhe deita essa dor? Tenho certeza de que ele já sabe...   

terça-feira, 1 de abril de 2014

Todo o Charme e Simplicidade da Culinária Tupiniquim no Jacobina – Bar e Restaurante


Matéria originalmente publicada no Guia Gazeta do Povo

Em uma região bastante fértil em opções gastronômicas requintadas, o Jacobina – Bar e Restaurante se destaca justamente pela atmosfera de trivialidade, confirmando a máxima de que a simplicidade é o mais alto grau de sofisticação. Especializado na rica culinária brasileira, para o almoço traz um cardápio que varia diariamente, com opções tradicionais como o “Frango Com Polenta”, a “Quirerinha Com Bisteca de Porco” ou mesmo o “Churrasco de Igreja” que, além de fisgarem o cliente pelo aroma, também encantam pela memória afetiva, afinal os sabores trazem as lembranças à tona.

Já para o jantar, o menu é mais sofisticado. Composto de entradas, caldos, especialidades e sanduíches, harmoniza desde o refinado “Cuscus Marroquino” (servido nas versões vegetariana, com frango, carne ou cordeiro), até o singelo Pastel de Queijo. Mas o destaque mesmo vai para as Quesadillas – iguaria típica mexicana feita com tortillas recheadas de queijo derretido, frango ou carne – servidas com salada à vinagrete.

As sobremesas merecem um capítulo à parte. Doces inventivos que apostam na mistura de elementos inusitados já são marca registrada do local. Como exemplo pode-se citar o intrigante sabor do “Sorvete de Tapioca Com Calda de Vinho” ou ainda a “Torta de Sorvete”, opções que procuram harmonizar nuances distintas do paladar.

A experiência, porém, de se visitar o Jacobina não agrada apenas ao paladar, a decoração, por sua vez, é um deleite para os olhos e corações saudosistas. Em cada cantinho da casa descobrem-se relíquias que conduzem os clientes a uma agradável sensação de nostalgia. São anúncios de época, aparelhos de rádio valvulados, relógios analógicos, utensílios clássicos de casa e cozinha, adesivos, roupas e toda sorte de penduricalhos, contrastando com todo o verde do jardim de inverno.

A música também preenche o espaço, embalando as conversas dos frequentadores e proporcionando passos ritmados aos garçons. Semanalmente, a agenda da casa traz em sua programação rodas de samba às quartas-feiras ou mesmo o “Blues de Segunda”, um gênero ainda pouco privilegiado pelos estabelecimentos em Curitiba, o que demonstra todo o caráter diferenciado da casa.

Serviço:
Endereço: Rua Almirante Tamandaré, 1365, Juvevê
Horário de funcionamento:
Segunda a sábado: 11h à 1h
Domingo: não abre



segunda-feira, 31 de março de 2014

E se...

Chegaríamos todos - ou a maioria de nós - ao fim da tarde. O portão verde - porque tinha de ser verde - antes de nos oferecer obstáculo nos convidaria a entrar, tanto na casa a qual guardava quanto nas firulas dos pululantes dogs que aconchegava dentro de seus limites. Dois ou três - ok, muitos mais - afagos nos peludos altivamente acastanhados e, se tivéssemos sorte, estaríamos de vez porta dentro sem que a pequena corresse e ganhasse a garagem.

Teria eu de vencer o impulso - talvez fosse melhor dizer "a letargia" - de me permitir ficar alguns minutos, ou muitos, ou todos... Ali pela sala mesmo, admirando as máscaras na parede, os quadros, os discos - ah!, os discos - e aquele penduricalho de madeira colorido que, quando girava, roubava de mim toda a atenção.

Enfim, se tivesse vencido então todos esses primeiros encantos, sentaria à mesa - provavelmente já povoada de risos e guloseimas - e poderia então olhá-la no fundo do azul dos olhos e dizer com os meus o quão grato me sentia por merecer um lugar naquela távola.

Ela, por sua vez, estaria postada à cabeceira, como de costume, com a cigarrilha ou um charuto entre os dedos (pensando bem, dada a ocasião talvez fosse mesmo um charuto), com o semblante sereno mas os pensamentos elétricos, formulando os tópicos da conversa que nos aguardava.

Tomaríamos assento certamente para ouvir que este dia é um marco sim, mas é - e tem de ser - um marco de resistência, uma data que, antes de tudo, representa a vergonha de um Estado covarde que se articulou para o golpe, e depois para o regime de exceção cada vez mais rígido, por temer a implantação de medidas concretas que trariam o povo mais próximo do protagonismo da própria história, e por se dobrar às governanças do ente supremo do capital internacional

Ecoariam novamente, nos ladrilhos da cozinha, as palavras do Jango na Central do Brasil, em 64. E ela, entre pausas, talvez optasse por nos fazer sentir, através de suas lembranças, o clima das ruas, das universidades, dos grupos de ativismo que heroicamente integrava na época. E nós... com toda a crueza púbere e orvalhada de nossos espíritos revolucionários entenderíamos o quão significativa havia sido sua caminhada até então... E ansiaríamos, sem nenhuma nesga de dúvida, erguer-nos também - em protestos ou em guerrilhas, pouco importa - para honrar o legado e a semente que há muito estava sendo plantada.

Diria, penso eu, a Baptista, com toda a propriedade, que apesar das vitórias que deixaram esse período de chumbo que a data representa no passado, o autoritarismo ainda corre nas veias do Estado brasileiro, como pudemos tristemente observar no caso do menino Ismael. Imagino-a com uma cópia da carta nas mãos e, com pesar, claro, relendo algumas linhas:

" [...] Ismael, escrevo para dizer que isso pode e precisa mudar. Exige coragem – que você e sua família tiveram – e exigem um compromisso da sociedade. O silêncio foi rompido pela imprensa e pela OAB. Agora, é preciso ir adiante. É preciso localizar os quartos dos horrores, onde é possível espancar uma pessoa, dar choques, sufocar com um saco plástico e ninguém mais, além dos algozes, fica sabendo. São estúdios especiais à prova de som, onde o terror reina? Existem máquinas de choque (talvez herdadas dos quartéis) ou usa-se a instalação elétrica comum, com fios descascados? Ninguém mais sabe ou ninguém se importa?

Sem responder a essas questões e punir que fez, quem viu, quem permitiu, quem se calou, não há política de segurança possível. Precisamos construir uma nova história. Para “congelar o crime” é preciso saber quem são os criminosos e a primeira lição básica está na própria Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

...

Minhas eternas reverências à Teresa Urban, que me abriu os olhos para luta, os quais não fecharei jamais...