quinta-feira, 2 de outubro de 2014

20 anos do Plano Real – Entrevista Eduardo André Cosentino



O dia 1º de julho de 2014 marcou o vigésimo aniversário do plano econômico responsável pela instituição da moeda corrente no país: o Plano Real. Unanimidade, no entanto, entre analistas econômicos e sociedade é que esse plano foi responsável por transformações muito mais profundas. O conjunto de medidas idealizadas pela equipe do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso teve como principal demanda o controle dos efeitos nocivos do “Dragão” da inflação, que minava o poder aquisitivo do brasileiro, bem como a credibilidade do país junto a investidores estrangeiros.

Com um pico de taxa de 1703% alcançado em 1993, essa distorção da economia gerava ondas de supervalorização de preços de bens de consumo da noite para o dia, acompanhadas de uma corrida do consumidor às lojas para estocar bens de primeira necessidade. A especulação financeira passou a ser mais rentável do que a troca de bens de consumo no mercado interno, prejudicando diversos setores industriais chave do país, o que dificultava ainda mais a estabilização frente à flutuação excessiva do índice inflacionário.

Para compreender de que forma o Plano Real foi capaz de conter (e controlar) a escalada da inflação no país, o Sistema Muito Nervoso (SMN) conversou com o economista Eduardo André Cosentino – também consultor empresarial, administrador e especialista em Gestão de Assuntos Públicos – procurando traçar um panorama dos erros e acertos do referido pacote econômico, bem como mapear os desafios que enfrenta na tentativa de se manter forte por mais vinte anos:

SMN – Diante do panorama desfavorável observado na economia durante o governo Itamar Franco – época de implantação do Plano Real – como se deu a transição da moeda anterior para o novo valor monetário?

Cosentino – O plano de implantação foi dividido em três partes: em um primeiro momento, houve a fase de equilíbrio das contas públicas, alcançado através da redução da máquina estatal, de medidas que diminuíssem a circulação de papel moeda (limites de crédito) e incentivo ao mercado interno. A segunda etapa foi caracterizada pela adoção de uma “moeda virtual” – a unidade real de valor (URV) – com o papel de facilitar a conversão de valor entre o cruzeiro e o real – que durante um curto período de tempo estiveram simultaneamente no mercado, com a cotação da unidade referencial respeitando a equivalência de um para um em relação ao dólar. A terceira etapa, por sua vez, consistiu na adoção de medidas de controle dos preços que, como primeira reação, se elevaram. Também houve medidas como a criação de metas anuais de controle da inflação e da taxa Selic para regular a incidência de juros nas transações comerciais e a busca por equilíbrio na relação importação/exportação, desta vez também sujeitas às variações do livre comércio de mercados.

SMN – Essas novas dinâmicas de mercado tiveram como efeito fenômenos como a privatização de alguns serviços que antes estavam sob responsabilidade do Estado. Efeito esse muito criticado à época. Como você enxerga as privatizações dentro do processo de implantação do real?

Cosentino – A privatização de alguns setores, como o de telefonia, por exemplo, contribuiu para a primeira fase da implantação, uma vez que diminuía os gastos do governo. Serviços não essenciais, que não faziam parte dos pilares da sociedade, representavam um peso no orçamento da união e, uma vez passando a funcionar com investimento privado, deixavam de pesar nas contas públicas. O governo passava então a ter mais lastro para investir no que era de primeira necessidade.

SMN - Qual foi o setor mais beneficiado pelas mudanças?

Cosentino – primeiramente, o setor rural, muito afetado anteriormente pelas oscilações dos mercados internacionais. Com as medidas de recuperação da economia interna – e o congelamento da equivalência com o dólar – os produtos passaram a ser mais competitivos e os mercados passaram a ser mais atrativos para investimentos estrangeiros.

SMN – Após vinte anos da implantação da moeda, o que temos visto é um governo trabalhando com índices inflacionários bem próximos da meta por longos períodos, ao mesmo tempo as taxas tributárias são bastante altas. Reduzir essas taxas pode ser uma solução para recuperar o controle desses índices?

Cosentino – Ótima pergunta. Primeiro é preciso entender a que se deve essa nova alta. Por uma questão ideológica, o atual governo adota uma série de posturas (programas de transferência de renda, isenção de impostos na indústria automotiva) que aumentam o poder de compra do consumidor através do endividamento, sem, no entanto, representar um ganho real de riqueza e nem exigir algum tipo de contrapartida social. O que acontece é a inundação do mercado com o papel moeda que, como já foi visto, acarreta o aumento da inflação. Antes de pensar em redução tributária, o meu conselho seria a suspensão do imposto de renda, por exemplo, durante um determinado período, o que traria mais dinheiro vivo à mão do consumidor, o que evitaria a adesão do mesmo às compras parceladas, incidência de juros e, consequentemente, a inadimplência

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