sábado, 4 de abril de 2020

Eu lhe ofereço a palavra...

Cada passo que arrisquei foi para ser lido. Reconheci-me como indivíduo, formulei caminhos mentais, organizei minha visão de mundo para ser lido. Mesmo antes de conhecer as letras, toda e qualquer construção física e social  a que me submeti, consciente ou inconscientemente, teve como reflexo e objetivo germinar um artífice da palavra.

Instrumento humilde da costura textual, emprego algum repertório de vivencia ou ruminação acumulado às divagações estilísticas da prosa ou poesia e nelas me reconheço. Mais que isso, através delas me ofereço ao escrutínio do mundo.

Tiro de mim a luz que me anima e a estendo aos olhos do leitor. Acolho o júbilo, absorvo a crítica do mesmo modo: vulnerável, ansiando pela semente bem plantada, pela reflexão que encontra eco nas vibrações do receptor. Ou, quem sabe, pela experiência solitária e única do deleite.

E quando a palavra encontra um modo de preencher o leitor de algo que lhe falte, ela então molda a si mesma, em sentido e contorno, a um novo universo interior e se torna recurso para criações particulares, em um fluxo de mutação continuo vivificante.

Há, no entanto, o terreno estéril da indiferença. A semente de mostarda que míngua em solo arenoso. Infecunda, a palavra não lida deixa escoar no nada o seu sentido. É casa ornamentada em todas as suas minúcias mas vazia. É o rompimento do propósito do beletrista.

Nesse momento, também eu sou lacuna, sou aquilo que poderia ter sido. Existo somente em potência porque morri em experiência.

E me questiono. Se tenho eu o direito de continuar escrevendo, trazendo linhas ao mundo que jamais vão se ligar às vidas alheias. Há muitos anos, cada novo novo texto já nasce sendo o último. E eu me agarro à esperança implícita nas reticências... Antes do ponto final. 

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