quarta-feira, 14 de setembro de 2022

O homem turvo e a menina dos pés descalços

O homem se derrete sobre o travesseiro. Sua memoria muscular evapora e vai se condensar no teto de madeira. Escolhe não lembrar do quão vivo esteve um dia. E se abandona... As pálpebras estão forçosamente unidas por uma substância umectante e sem nome, misto de lágrima e autocomiseração.


Balbucia, esse homem, o básico, menos que o básico, o mínimo, ou menos... Lutando em dizer o que resta em si: fome, dor, medo... e punção de morte. A vida teimando, ancorada em doses diárias de saúde sintética.


A menina dos pés descalços se compadece e se desdobra em zelo. Acolhe quando outros guardaram sua humanidade para si. E estende os braços em todas as direções. É o esteio dos passos incertos, a digna mão que alimenta e afasta as impurezas do corpo, a oração que lava os excessos de uma vida derramados pelo chão.







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