terça-feira, 22 de outubro de 2013

Em torno do mestre



Para aquele cujo olhar não estivesse disposto a agudar-se propriamente, jamais seria capaz de penetrar a aparente neblina e enxergar de fato os laços verdes, arbóreos, algáceos, florifáunicos e naturalescos que uniam e impulsionavam os viajantes enquanto buscavam os portais do mestre.

Sobre os ombros pendiam desejos rubros de fazer-se semente das palavras do sábio e, através delas, fecundar não apenas terra, mas também ar, água, vidas marinhas, terrestre e, principalmente, espíritos humanos... Estes últimos, já há muito estéreis e opacos, perdidos na ilusão egoísta do individualismo.

O conselho

Tomou seu lugar à mesa o Homem-Floresta. Robustos, feitos de sangue e seiva, seus ideais - firmes e indomáveis - extrapolavam os poros e impregnavam o ar de um aroma silvestre. Os olhos eram pedras de rio. A risada era tempestade de trópico, reverberando no espírito dos aventureiros que de suas trilhas seguiam as pegadas.

A seu lado pairou a Melíade da Brisa Dourada.Viva e intensa no assoviar dos pensamentos, suave e serena no soprar das atitudes. A pele alva trazia em subtexto matizes de todas as cores, no mel dos olhos o gosto da vida. 

Ao som de tambores, a Filha da Mata fez reverência. Ao sábio, e somente a ele, oferecia a joia de sua atenção. Vibrava em elevada frequência, trazendo o céu nos olhos e a floresta a lhe pulsar no peito. Quando da voz entoava o argumento, a sussuarana lhe rosnava no espírito.

E, incontrolavelmente sísmica, completou o Conselho a Deusa Vulcânica do Breu Perolado. Sua inquietude fremente era puro entusiasmo, energia multipolarizada em consonância com o mais galvânico limiar de movimento terrestre.

O sábio

Trazia a alma de Gaia por entre os dedos. Com a floresta aprendeu a lufar seus ensinamentos como a brisa leve que passeia entre as folhas, respeitando a fluidez de tudo o que se movimenta, o pulsar de tudo o que vive.

Sua voz era cadência marinha, marulhar sereno que de muitas luas, frias como prata, e sóis, vermelhos como fogo, se fez espelho.

Seu olhar era flecha de povo nativo, ponta de lança que rasgava o veio da intenção humana desvendando a mão por traz da foice, a fagulha que lambe a mata e o futuro, a moeda-veneno que apodrece as vidas e almas humanas.

O escriba

Em silêncio, ao canto da sala, o escriba - de dedos ágeis e ouvidos curiosos - toma nota do momento único que sente estar vivendo. Tão titânicas potencialidades reunidas em torno do mestre em busca de direcionamento e iluminação. Observa, maravilhado, o quanto todos os que compõem o Conselho se complementam em suas visões, o quão natural passa a lhe parecer a individualidade coletiva que, naquele instante (e em nenhum outro lugar) se estabelece.

O quanto se elevam aqueles seres, o quão sublime é essa interação! Sente, o reles "escrivinhador", que nada que vira em suas andanças pode a isso se equiparar. O universo responde aos movimentos... A realidade se transforma pelas ações desenhadas nesta mesa... São ativos, são dinâmicos todos os esforços... São indizíveis as possibilidades!

No entanto, no ápice do interlóquio, evapora o sábio por considerar seu tempo findo e a semente plantada.

A partir daí, o que os olhos do escriba veem é um Conselho sem fé em si mesmo... Espanta-se ao observar que, mesmo ainda de posse das mesmas potencialidades, e guardando em si cada ensinamento, os integrantes da mesa não se mostram mais capazes de enxergar a importância de se manterem como um. Esqueceram, ou não mais desejam lembrar que comungam da mesma semente... Que tem dever sobre a memória do Sábio e, antes de tudo, é essa união que o preserva.

Em torno do mestre estiveram por longos instantes, de sua centelha cada um levou parte impressa em si. A esse escriba, que lamenta por suas letras, só resta continuar, mesmo sabendo que nunca escreverá como antes se o vazio estiver no horizonte...               
          

                      

3 comentários:

  1. Muito legal.
    Já pensou em escrever uma história completa, tipo um romance?

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  2. É um dos meus projetos... Na verdade, esse texto é uma metáfora gigante para alguns acontecimentos reais recentes e tal, mas pode ser interessante desenvolver mais essa linha... Obrigado pela sugestão

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  3. Enquanto obra, esse texto é apoiado em alguns arquétipos já conhecidos (o sábio, o conselho), de modo que não oferece muita inovação, mas serve bem ao propósito...

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