segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

O fim de ano e o fenômeno migratório da classe média

Pela segunda vez consecutiva, em 37 anos, evitamos o frenezi migratório da classe média que obriga todos os seus representantes a enfrentar sorrindo perrengues injustificáveis em áreas litorâneas, unicamente para se sentir inserido nos imperativos de diversão socialmente estabelecidos e exaustivamente massificados pela indústria do entretenimento para o período de fim de ano.

Trocamos as longas horas de estrada e estresse no trânsito por mais tempo efetivo e de qualidade com a família. Deixamos de nos preocupar com o preço do pedágio e da gasolina para desfrutar sem reservas do valor da convivência sem atropelos, dos raros instantes de livre preenchimento da ociosidade concedidos pelo capitalismo contemporâneo. Nos encontramos com a possibilidade de vida além do fluxo.

Ao mesmo tempo, continuamos a ser bombardeados pelo status quo. Suavizadas por narrativas de "renovação", "lei da atração" e "boas energias",  práticas supersticiosas puramente alegóricas invadem o horário nobre dos meios de comunicação para alcançar e se cristalizar no inconsciente coletivo, ensinando os indivíduos a terceirizar a responsabilidade sobre os resultados de suas vidas ao relacionar ganhos financeiros, relacionamentos afetivos, saúde - e tudo o mais que for possível - aos astros, às cores da vestimenta, ao cumprimento de uma gincana de tarefas tão inócuas quanto estapafúrdias para atingir seus objetivos.

Assistimos, do conforto de nossa casa, se repetirem as mesmas reclamações e problemas de infraestrutura de cidades turísticas inchadas. Falta o básico: água, comida, segurança, sossego. São centenas de individualismos conflitantes, competindo pelo mesmo espaço nas faixas de areia e frequências sonoras das praias, rapidamente tornadas impróprias para banho e sanidade mental pelos próprios frequentadores.

Escapamos ainda das mesmas filas quilométricas do trajeto de volta (e das tristes estatísticas de acidentes de trânsito que povoam os noticiários pós-feriado). Inicio este novo ciclo - que não tem nada de místico e marca tão somente o tempo que este pálido ponto azul de forma geoide que habitamos leva para orbitar o Sol - da forma que mais me agrada: escrevendo. E lamentando que ainda haja tantos de nós que nem percebam o quanto estão presos a convenções e comportamentos irrefletidos. E pra não dizer que não falei das flores: um feliz (e livre) ano novo!    


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