sábado, 23 de dezembro de 2023

Nada vai bater tão forte quanto a vida

Tá certo, eu admito que roubei esse título do discurso motivacional que o Rocky Balboa faz ao filho no último filme da franquia (por favor desconsidere os caça-níqueis da trilogia "Creed"). O fato é que, diferente do que pode parecer, não me considero propriamente um fã do trabalho do Sly, mas a metáfora do boxe como um campo de cultivo da persistência e aprimoramento pessoal constante, sempre presente nas sequências que acompanham os altos e baixos da carreira do italian stallion - com o perdão do trocadilho - me acerta em cheio.

Isso porque você não precisa ser um pugilista profissional para enfrentar suas batalhas, ser nocauteado e decidir se vai ficar no chão ou continuar lutando antes da contagem final. Todo e qualquer ser humano e, por definição, consciente, alguma vez na vida já se sentiu diante de situação desafiadora e, de alguma forma, semelhante.

Eu mesmo nunca subi num ringue. Mas batalhei a vida inteira com um corpo que não responde aos estímulos na mesma velocidade do meu intelecto. Tive de entender e aceitar o meu próprio tempo e mobilidade para criar soluções adaptadas às minhas particularidades e, dessa forma, chegar ao topo de cada escadaria que um dia me propus a vencer. 

Os meus Dragos e Mr. Ts são muito mais do que punhos erguidos esperando uma brecha na defesa para me acertar. São a construção cotidiana da percepção interna de que, apesar de todas as limitações motoras, tenho comigo a capacidade de enfrentar um mundo que não foi pensado para pessoas como eu, que dificulta o acesso a todos os espaços públicos, opções culturais e ao ensino superior por falta das adaptações necessárias.

Contra esses adversários, minha resposta veio na forma de dois diplomas universitários e uma pós-graduação. Veio na conquista da CNH contrariando muitas expectativas. Ou ainda no exercício de ocupação compatível com minha formação e remunerada apropriadamente, de acordo com o trabalho realizado. 

Minha intensão aqui não é a da autocongratulação (até porque basta que sejam oferecidas as condições necessárias para que toda e qualquer pessoa com deficiência possa alcançar resultados semelhantes ou ainda melhores que os meus). É antes a de desfazer a noção comum que associa a deficiência física (ou qualquer outra) com fraqueza, com debilidade. A verdade é que a maioria dos indivíduos que olham para o PCD com preconceito ou pena, não aguentaria 10 min. se fosse colocada em nossa realidade. Essas pessoas certamente jogariam a toalha ainda no primeiro round. 

Você chamaria de fraco alguém que passou por uma cirurgia sem anestesia? Pois é, isso não é roteiro de filme, foi exatamente o que aconteceu comigo. Há muitos anos atrás, dei entrada em um hospital para a remoção de um abscesso. Com o tecido em torno do local inflamado, a anestesia aplicada não surtiu efeito, e mesmo com meus repetidos protestos e avisos de que estava sentindo todo o procedimento, o médico responsável seguiu com as incisões e raspagem. 

A despeito da fúria e indignação sentida, na época o que me ajudou a superar toda a dor da experiência foi justamente um trecho do discurso que dá título a esse texto. Lembro de trazer à mente que, assim como no boxe, na vida "não se trata de bater duro, se trata do quanto você consegue apanhar e seguir em frente. O quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando."







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