segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O gringo que tentou comprar respeito - uma história lamentavelmente R($)eal

 Faltava ainda a perna mais longa do trajeto para finalmente desembarcar em Portugal. Esperávamos - cerca de vinte pessoas bem sortidas -, na sala de embarque, pelo serviço terceirizado de auxilio deslocamento fornecido gratuitamente pelo aeroporto.

Alguns conversavam entre si, outros mergulhavam no torpor dos celulares para fugir da inércia da espera, quando entra em cena um gringo de compleição monumental, sendo empurrado em uma cadeira de rodas por uma funcionária com um terço das medidas corporais do homem, mas o dobro da determinação.

Ela interrompe o périplo por um instante e tenta explicar ao gringo que, para o maior conforto dele próprio, deveria aguardar cinco minutos, no máximo, pela a chegada de uma nova cadeira de rodas mais apropriada ao seu tipo físico. Tudo isso com toda a educação do mundo.

A pedra de Sísifo então se exalta e começa a dirigir impropérios à moça que, minutos antes, tracionava a cadeira como quem vence uma colina com o mundo nas costas. Com incredulidade, os presentes observam o desenrolar da celeuma.

Tentando acalmar os ânimos, outro funcionário vem ao socorro da colega. O novo contendor, mais enfático mas nem por isso menos educado, reforça que a medida é apenas um procedimento padrão e que visa apenas o bem-estar do passageiro. 

Irredutível - e cada vez mais satisfeito com a atenção recebida -, o gringo dispara um sonoro "cale a boca, você está aqui para me servir, uma vez que paguei pelo embarque antecipado". À essa altura, a incredulidade dos espectadores involuntários se transformava em indignação. E já se ouviam vozes esparsas soltando um "gringo babaca" aqui, "deixa que se vire sozinho", acolá.

O atendente se impôs lembrando que aquele serviço, embora deva ser solicitado, não requer pagamento adicional do passageiro, que estava sendo conduzido da melhor forma possível - apesar da falta de educação que demonstrava - por cortesia, de forma gratuita. Ao que a pequena multidão aplaudiu.

Desencorajado pela manifestação dos terceiros, o individuo pareceu perceber o papel que desempenhava e amenizou o tom. Sendo propositadamente preterido em favor de outros passageiros, tentou se desculpar com os atendentes mas teve que amargar exatamente aquilo de que tentou fugir: a espera estendida.

Claro que em algum momento o passageiro foi embarcado com sucesso. Mas antes que fosse capaz projetar sua mesquinhez através do valor do seu dinheiro, teve ele de aprender que, sim, há virtudes que escapam da economia de trocas espúrias do capitalismo. 

     

  

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