domingo, 10 de dezembro de 2023

Por trás de todos os preconceitos está a mesma ignorância

Não sei se já falei disso abertamente aqui mas eu sou PCD (Pessoa Com Deficiência, nesses termos, sem aquele eufemismo idiota e impreciso de "portador de necessidades especiais"). E, tendo experienciado essa condição desde que nasci, tive contato, cedo demais para compreender, com o pior do ser humano: o julgamento prévio das minhas capacidades, olhares penosos disfarçados, comentários depreciativos ditos sempre à meia voz, exclusão e até mesmo violência física. Esse combo de falta de virtudes pode ser aglutinado e traduzido em uma única pedra salgada: preconceito.

E o que é todo esse lixo senão a manifestação do mesmo comportamento primal residual, emergindo apesar de séculos de polimento civilizatório, que mantinha o diferente apartado para proteger o bando? A mente limitada do preconceituoso trabalha nos mesmos moldes animais de outrora, segmentando, diminuindo e isolando aquilo que não tem capacidade de compreender.

Nesse sentido, me permitindo extrapolar a reflexão, pouco importa a "categoria" do preconceito. Étnico, de classe, de gênero, religioso (até mesmo astrológico ou futebolístico), todos compartilham da mesma origem, do mesmo mesmo medo. 

A complexidade do fenômeno do preconceito começa a surgir quando indivíduos maliciosos percebem que é possível operacionalizar esse medo comum, estimulando e se utilizando dele como ferramenta para manipulação da percepção pública, com vistas a alcançar objetivos sociais e financeiros para si ou para o grupo ao qual pertencem.

Essa manipulação faz nascer na sociedade a ideia de que certos grupos não têm direito de acessar espaços, conquistar direitos, exercer funções, expressar crenças ou opiniões diferentes daquelas que são consideradas aceitáveis dentro da estrutura dominante.

Para que o leitor não pense que tudo isso não passa de "baboseira ideológica", vamos a um exemplo prático. Há alguns anos, eu trabalhava produzindo conteúdo para um guia cultural e gastronômico online. Conversando com um proprietário de restaurante árabe sobre a acessibilidade do local, ouvi do meu interlocutor que não investiria nas adaptações necessárias porque "não queria que esse tipo de gente fosse ao estabelecimento dele". Não creio que teria feito qualquer diferença se tivesse dito que eu mesmo fazia parte daquele tipo de gente. Se hoje temos leis que asseguram o livre acesso da pessoa com deficiência a todos os espaços públicos, é porque muitos lutaram contra o preconceito do tipo de gente daquele empresário.

Da mesma forma, também tiveram de lutar os negros para derrubar leis segregacionistas em muitos países que os impediam de frequentar quaisquer estabelecimentos, matricular os filhos em quaisquer escolas, sentar em qualquer lugar no ônibus.

Assim como lutaram as mulheres para frequentar universidades, para ter o próprio negócio sem necessitar da aquiescência do marido, para expressar sua opinião política por meio do voto, para superar noções preestabelecidas de que seriam naturalmente menos aptas do que homens para a prática esportiva ou para atuar em diversas áreas.

É importante lembrar que o caminhar da sociedade não é linear. Que apesar de todos os esforços e avanços traduzidos em politicas públicas inclusivas, ações afirmativas e da aparente intensificação dos diálogos sobre diversidade, grupos como o de pessoas trans têm a sua vida ameaçada diariamente pelo preconceito, e ainda luta pelo direito mais elementar: o de existir da forma como sentem que devem existir.

Já ouvi, dentro da família inclusive, que não há como exigir das pessoas que não hajam de forma preconceituosa porque "elas sempre foram assim". Já ouve um tempo em que a escravidão era vista como algo aceitável; Já ouve um tempo em que tratamentos com "chá de livro velho", sangue-sugas ou lobotomia faziam parte das práticas médicas; as coisas mudam. 

Se você tem em seu convívio qualquer pessoa - um filho, um parente, um amigo - que possa se enquadrar em grupos que sofrem preconceito, procure conversar com ele, saber da experiência dele, do peso injustificado que a sociedade o obriga a carregar diariamente e ofereça acolhimento, compreensão, empatia. Aprenda com a vivência dele e procure estender a mesma compreensão que você dedica à pessoa que você ama aos demais grupos minoritários. 

Pois, como já vimos, o preconceito nasce do mesmo medo, da mesma ignorância, do mesmo ódio. E já é tempo de quebrar essa corrente.   

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