quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

A resposta que eu (não) dei... Em bom português

Indo buscar o que Cabral levou... 🇵🇹



Há algum tempo atrás lembro de ter lido sobre a declaração de alguma personalidade política ou midiática (talvez ambos), que lamentava o fato de o povo brasileiro não ter o mesmo envolvimento com a cultura lusitana que os portugueses teriam com os nossos produtos de entretenimento para exportação. Pois, afinal, nas palavras dele, somos nações irmãs.

Muito que bem. Lanço então uma pergunta ao leitor: você chamaria de irmão alguém que 1) veio até a sua casa sem ser convidado; 2) questionou a legitimidade de sua posse - mais que isso, arbitrariamente se declarou o novo dono dela, ignorando seus laços históricos e culturais com a terra; 3) saqueou seus pertences; 4) tomou à força mulheres e filhas; 5) escravizou seus filhos; 6) trouxe guerras e doenças que dizimaram seus parentes e 6) promoveu ativamente o apagamento de sua herança cultural, impedindo suas práticas religiosas, tradições e a transmissão do idioma nativo? Eu não.

Embora meu DNA compartilhe pouco com o dos povos nativos brasileiros, procuro ativamente conhecer a história do meu país e reconheço o lamentável papel que meus ancestrais europeus tiveram na pilhagem que os livros de história chamaram de "descobrimento".

Por ter ciência desse contexto histórico, quando saí do pais pela primeira vez para conhecer Portugal, postei uma foto nas redes sociais com a seguinte legenda: "Indo buscar o que Cabral Levou". Obviamente, em tom de brincadeira.

Durante o período em que lá estivemos, fizemos amizade sincera com o guia que nos acompanhava e, claro, o adicionamos às nossas redes para contatos futuros. Em dado momento, ele chega até a postagem e, a partir dela, desenvolve-se uma conversa.

Com ar professoral, o português se esforça para reforçar a perspectiva oficial, argumentando que, naquele recorte histórico, aquela porção de terra (que depois viria a se descobrir que tinha dimensões continentais) não havia sido reclamada por nenhuma nação "civilizada", com um rei constituído e que, portanto, Portugal tinha o direito de fincar nela o seu marco.

A resposta que não dei naquela oportunidade - em parte para evitar qualquer ofensa ao meu amistoso interlocutor, em parte para evitar que uma contenda precoce afetasse negativamente minha experiência no pais estrangeiro - passava pela constatação de que a percepção dos povos originários como incivilizados é um absurdo fundado apenas na ignorância.

Não é intelectualmente honesto aplicar a mesma régua para traçar noções gradativas para a organização social, as relações de poder ou mesmo a complexidade das manifestações culturais de um grupo, utilizando assim apenas um critério comparativo, sem considerar as particularidades de cada contexto onde as civilizações foram formadas.

O fato de a relação dos povos com a terra e organização do poder no "Novo Mundo" se dar de forma diferente da que ocorria na lógica imperialista europeia da época, não pode ser utilizado como sinônimo de incivilidade. Perpetuar essa visão serve apenas para cristalizar a noção de que existia "o jeito certo" de viver, em contraste com aquilo que era visto como barbárie por falta de aprofundamento nos costumes e cultura locais, ou mesmo por uma deslegitimação deliberada da cultura nativa por parte dos colonizadores.

Para tornar a empreitada da colonização viável e economicamente lucrativa no Brasil recém descoberto, uma série de violências foram perpetradas contra a população nativa. Essas violências têm reflexo até nos dias de hoje, e não há como negar que a história desses povos e a nossa enquanto país teria sido muito diferente se o encontro entre as duas culturas tivesse sido o de troca de experiências e coexistência pacífica ao invés do massacre que nos contam os registros históricos  




  

   


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